A mais recente manifestação de investidores globais contra o desmatamento na Amazônia foi vista na equipe econômica como um alerta importante no momento em que o país precisa atrair investimentos privados para uma retomada no pós-Covid.
Um grupo de 29 investidores globais assinou nesta semana carta aberta ao Brasil, expressando preocupação sobre a política ambiental no país e sobre os direitos humanos. Juntos, eles têm US$ 3,7 trilhões em ativos administrados ao redor do mundo.
"O crescente desmatamento nos últimos anos, combinado com relatos de desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos e de agências de fiscalização, estão criando incerteza generalizada sobre as condições para investir ou prestar serviços financeiros ao Brasil", escreveu o grupo.
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O texto cita preocupações com o projeto de lei 2633 (antes uma medida provisória), que legaliza ocupações em áreas públicas sobretudo na Amazônia. O grupo de investidores teme o aumento de riscos para os clientes sob o ponto de vista de reputação, de operação e de regulação.
"Por isso, instamos o governo do Brasil a demonstrar um compromisso claro com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas", afirma o texto.
"Políticas robustas para a redução do desmatamento e proteção dos direitos humanos são soluções-chave para gerenciar esses riscos e contribuir para mercados financeiros eficientes e sustentáveis no longo prazo", completam os investidores.
Jan Erik Saugestad, diretor da Storebrand Asset Management, grupo norueguês com US$ 80 bilhões sob gestão e signatário da carta, disse a veículos internacionais que, se não houver mudanças, o risco poderá chegar a um ponto em que a decisão será sair do país.
Entre membros da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), há entendimento que o governo precisa estar alinhado com as melhores normas e práticas internacionais para não perder recursos importantes por questões consideradas pontuais. É preciso assegurar, sobretudo, o investimento estrangeiro direto.
Segundo essa visão, o país deveria mostrar de maneira mais clara o seu comprometimento com as questões ambientais, provando que tem políticas ativas para evitar o desmatamento e comunicando que aplica um volume significativo de recursos na área.
Sem citar nomes, membros do Ministério da Economia entendem que declarações das autoridades sobre o tema são importantes porque muitas vezes costumam ser mais propagadas do que as ações tomadas efetivamente.
A carta dos investidores critica, por exemplo, as manifestações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele disse em reunião com o presidente Jair Bolsonaro e outros colegas de Esplanada (como o próprio Guedes) que o governo deveria aproveitar as atenções da mídia voltadas ao coronavírus para alterar a legislação ambiental.
"Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse Salles na reunião de 22 de abril (cujo conteúdo foi divulgado pelo Supremo Tribunal Federal).
O próprio Bolsonaro tem posicionamento favorável à exploração da região do bioma amazônico, inclusive por meio da mineração em terras indígenas e desautorizando ações do Ibama contra madeireiros.
A preocupação dos investidores com a política do governo brasileiro é expressa enquanto Guedes planeja uma retomada da atividade após a pandemia do coronavírus por meio de investimentos, sobretudo em infraestrutura.
O entendimento é que o país precisa atrair capital privado para esse plano, já que precisa continuar em trajetória de economia com os recursos públicos considerando os sucessivos rombos primários. O próprio ajuste fiscal em curso tem como justificativa preservar a confiança dos investidores e manter os indicadores de dívidas em patamares minimamente favoráveis.
Enquanto isso, dados de Tesouro Nacional, Banco Central e B3 têm mostrado uma fuga de recursos estrangeiros do Brasil neste ano, sobretudo durante a pandemia. Os não residentes diminuíram sua participação na dívida pública interna para 9,36% em abril, a menor em mais de dez anos, e tiraram mais de R$ 60 bilhões da Bolsa neste ano.
O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, disse neste mês que o Brasil perdeu mais capital estrangeiro durante a pandemia do que a média observada em países emergentes.
"Financiamento externo realmente não é uma variável com que podemos contar no curto prazo", disse em 1o de junho.
Essa não é a primeira vez que investidores alertam o Brasil sobre medidas na área de sustentabilidade. Em setembro de 2019, 230 fundos de investimento, que juntos administram US$ 16 trilhões (R$ 65 trilhões), pediram ao Brasil que adote medidas eficazes para proteger a floresta amazônica contra o desmatamento e as queimadas.
O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou no começo do ano que o governo recebeu manifestações de fundos globais de investimento preocupados com a situação do meio ambiente no país.
"Eles têm perguntado muito sobre meio ambiente. A depender da origem do fundo que vem conversar com a gente, eles enfatizam muito a questão. É um movimento global", afirmou Mansueto em janeiro.
Segundo ele, os fundos têm estabelecido uma série de exigências de transparência e governança para alocar seus recursos, com sinalizações de que o meio ambiente vai ser cada vez mais um tema relevante para as decisões. Como exemplo, citou a gestora de ativos BlackRock, que tem US$ 7 trilhões de ativos sob gestão.
O presidente da BlackRock, Laurence Fink, anunciou neste ano aos clientes uma série de iniciativas para posicionar a sustentabilidade no centro da estratégia de investimento da companhia. Entre as ações programadas, estão fazer do tema uma parte integrante da construção do portfólio e desinvestir em ativos com alto risco de sustentabilidade.
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Economia afirmou que defende a busca pela adoção de melhores práticas regulatórias e combate a práticas econômicas ilegais.
"Tais compromissos constam, inclusive, de nossas prioridades na área econômica internacional, como a acessão à OCDE e a negociação de acordos comerciais", afirma a pasta, em nota.