Economia

De calcinha a chinelo, marcas tentam faturar com NFTs

03 fev 2022 às 09:57

Após o boom do ecommerce na pandemia, marcas de diferentes segmentos começam a apostar em um mercado ainda mais tecnológico: a venda de registros de produtos digitais na internet –ou NFTs, para os iniciados no metaverso.


Nivea, Nike, e as brasileiras Pantys, de calcinhas absorventes, e Alpargatas, dona da Havaianas, são alguns dos conhecidos nomes do público que lançaram artes digitais nesse formato nos últimos meses.


A Alpargatas foi uma das primeiras no Brasil, em maio do ano passado. O primeiro leilão foi o do gif nomeado Happy Feet, arrematado por R$ 5.600 na época. Parte do lucro foi revertida para doações.


Já a Nivea entrou no mercado em dezembro de 2021 com uma arte chamada "The Value of Touch" (o valor do toque) na plataforma Polygon Scan.


Tokens não fungíveis, ou NFTs na sigla em inglês, criam assinaturas que permitem singularizar o que se tornou banal e facilmente reproduzível na internet. É assim que memes, tuítes e peças de arte que não existem fisicamente estão sendo comercializados por milhões de dólares em plataformas especializadas.


Para tal feito, é usada a mesma tecnologia das criptomoedas: o blockchain, uma espécie de sistema verificador de transações descentralizado e independente de bancos centrais. É possível compará-lo a um livro-caixa global que faz registros de informações –todas públicas, embora anônimas, já que cada usuário é identificado por meio de um código. Sua transação acontece em uma rede descentralizada de internet chamada ethereum (da criptomoeda ether).


O mercado é bilionário. Até esta terça-feira (1º), NFTs movimentaram quase US$ 20,876 bilhões, dos quais cerca de US$ 2,310 bilhões foram no ramo da arte, segundo dados da plataforma Non Fungible.


Uma vez comprado, é possível revender o NFT, mas não a obra, o que impossibilita o comprador de comercializar a arte em plataformas de música e no mundo físico.


Diante disso, é comum perguntar-se para que, então, comprar o criptoativo. A reposta reside especialmente na revenda: por ser insubstituível e exclusivo, a aposta é que esse registro se valorize no futuro.


Emily Ewell e sua sobrinha, Maria Eduarda Camargo, resolveram fazer a aposta. Nesta segunda-feira (31), a Pantys, marca delas, lançou 33 artes entre fotos, vídeos e gifs em NFT. São imagens ligadas ao universo em que atuam, de calcinhas absorventes para menstruação. Cada compra terá parte do seu lucro destinado a doações.


As peças são comercializadas em uma espécie de leilão na plataforma OpenSea, e o valor mínimo é US$ 40,66 (R$ 215,29), ou 0,015 ether.


Ewell, que é americana, foi visitar a família nos Estados Unidos em dezembro do ano passado e ficou surpresa com a popularidade do tema por lá.


"Como empresária eu fiquei super interessada", afirma ela. "Na Pantys a gente sempre olhou para conteúdo digital como se fosse um produto mesmo. Os clientes o consomem entre as compras e às vezes traz até mais valor no dia-a-dia do que comprar as calcinhas, que vão durar de dois a três anos."


Dessa vez, explica, o conteúdo digital realmente teria um preço. E se alinha com parte do posicionamento da marca, que vende a ideia de modernidade, juventude, tecnologia.


"É um espaço muito masculino o de criptomoedas e tecnologia. A comunidade feminina é menor", diz Ewell. 


"Estou torcendo para que possamos levantar essa bandeira no futuro."


Para o professor de finanças na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) Alexandre Ripamonti, a entrada das marcas no metaverso é uma tendência para 2022. "Imagina que você sabe que vai dar sol. Você tem que estar preparado para ir para a praia", diz.


Além da valorização do NFT, a marca também pode ter ganhos –ou perdas– se escolher preservar criptomoedas na transação.


Além de eventual valorização dos ativos, o especialista diz que o metaverso é mais um lugar para expandir a posição da marca. "Estar presente lá é estar presente em algo que vai ligar a sua marca à inovação, ao público jovem, ao mercado digital", afirma.


Apesar de ser um universo aparentemente promissor, a cabeça do empresário que vai se aventurar pelos NFTs deve ser a de um investidor de altíssimo risco.


Há alguns meses especialistas vêm alertando para a formação de uma bolha no mercado de criptoativos. E a descentralização, seu trunfo, é também seu calcanhar de Aquiles: não há órgãos regulatórios para proteger o dinheiro do investidor.


Outro problema foi enfrentado pela Pantys: as críticas ao impacto ambiental dos NFTs, uma vez que a estrutura computacional exigida pela tecnologia demanda uma quantidade expressiva de energia.


Um tuíte que questionava a marca de calcinhas sobre esse ponto passava de 15 mil curtidas na tarde desta quarta-feira (2).


Há diferentes fontes de informação, mas um estudo de 2018 publicado na Nature sustentou que para gerar US$ 1 em criptoativos é necessário mais energia do que para atingir o mesmo valor em ouro e alumínio, por exemplo.


O fato de a Pantys ter usado uma ferramenta de compensação de carbono de NFTs (a Aerial) não acalmou os ânimos. "Será que a gente deveria ter falado que lançamos NFT carbono zero e colocado isso no título?", questionou Ewell. A marca já tem pegada de carbono zero em seus outros produtos.


"Eu sempre penso que a gente tem que fazer coisas da forma mais consciente, trazer esse papel de educação", diz ela. "Mas eu acho que é como se fosse o Instagram dez anos atrás. Toda rede social, tecnologia, emite carbono, precisa ter uma estrutura de servidores."

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