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A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) diz precisar de ferramentas legais mais poderosas para conseguir atuar de forma efetiva contra plataformas de apostas, as chamadas bets, que operam ilegalmente no Brasil.
Sob as regras atuais, o órgão regulador admite não ter como garantir que os sites irregulares informados pelo Ministério da Fazenda estão, de fato, bloqueados.
"Do jeito que está hoje, a gente está enxugando gelo, e o bloqueio que tem é muito pouco efetivo", afirma à reportagem o presidente da Anatel, Carlos Baigorri. "Botaram uma batata quente no meu colo, e estou falando: isso [baixa efetividade] vai ficar ruim para o governo todo."
Segundo ele, as dificuldades são de várias naturezas, desde a carência de tecnologia para fiscalizar os bloqueios implementados até a falta de poder de regulação sobre um agente econômico com atuação fundamental para o funcionamento da internet: o chamado operador de DNS.
O operador de DNS atua como se fosse uma grande lista telefônica do ambiente digital: o usuário informa o nome do site que deseja acessar (que começa com o www), e a empresa identifica para qual número IP deve direcionar o acesso.
Quando a Anatel determina o bloqueio das bets irregulares, ela faz isso a partir de uma lista de endereços IP usados hoje pelas plataformas. Mas nada impede que as bets furem a barreira pedindo ao operador de DNS que substitua o número antigo na "lista telefônica" por um novo IP fora do bloqueio.
Essa estratégia já foi usada pelo X (ex-Twitter) para burlar decisões judiciais que determinavam a suspensão da rede social no Brasil.
"É como se fosse 'o meu número novo é tal, então quando qualquer um escrever 123bet, manda pra esse novo número'. E eu estou bloqueando um número antigo. Aí, o site volta a funcionar. E qual é o problema? O Estado brasileiro não tem qualquer poder de regulamentação, fiscalização e sancionamento desses operadores de DNS", alerta Baigorri, acrescentando que muitos desses operadores estão baseados fora do Brasil.
No caso do X, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) permitiu que a Anatel atuasse sobre o operador de DNS, fechando as brechas identificadas, mas o respaldo valia apenas para o caso específico.
Na prática, isso significa que os 5.200 sites ilegais de apostas bloqueados pelo governo estão livres para voltar à ativa a partir da mesma manobra, até que o Executivo consiga identificar os novos números IPs usados pelas plataformas irregulares para incluí-los na lista e disparar novos pedidos de suspensão.
"Existe uma limitação da capacidade do Estado de fazer esse bloqueio ser efetivo", afirma o presidente da Anatel. Segundo ele, a agência enviou aos ministérios da Fazenda e dos Esportes uma proposta de MP (medida provisória) para aprimorar a regulação e prever poder de polícia administrativa sobre os operadores de DNS.
Há três caminhos possíveis. O primeiro deles é ampliar os poderes da Anatel, alterando a Lei Geral de Telecomunicações para dizer que a agência tem poder de regulamentar, fiscalizar e sancionar esses agentes econômicos.
A segunda opção é mudar a lei que regulamentou as bets para ampliar o único parágrafo que trata dos bloqueios para dizer que os operadores de DNS também são obrigados a cumprir essas decisões. A terceira via seria modificar o Marco Civil da Internet para ampliar as diretrizes de bloqueio de sites.
"Se o Estado quer ter algum poder de mando no ambiente da internet, esses agentes precisam também estar submetidos ao controle do Estado", diz Baigorri.
O presidente da Anatel afirma que o objetivo da mudança não é derrubar os operadores de DNS a qualquer momento, até porque, como o setor é muito concentrado em poucas empresas, uma decisão desse tipo comprometeria não só as bets, mas até mesmo sites do próprio governo.
Colocá-los sob regulação, segundo Baigorri, é importante para poder exigir sua colaboração na derrubada das plataformas ilegais. "Uma regra sem uma sanção para quem não cumpre é só uma boa prática, não é obrigatório. Então, tem que criar [a obrigação e] a sanção. E a gente tem dimensão de como modular a sanção", afirma.
Mesmo que a Anatel seja bem-sucedida no pleito de maior poder de regulação, a agência não tem hoje como fiscalizar o cumprimento dos bloqueios.
"A Anatel não tem um botão vermelho que derruba os sites do ar. A gente comunica todas as empresas de telecomunicação. São 20 mil, grosso modo, porque a gente está falando das grandes, mas [também] essas pequenininhas do interior do Brasil. Quando você fala de 3.000 sites em 20 mil redes, são 60 milhões de verificações. Hoje, a gente não tem como garantir que o bloqueio está sendo efetivado", reconhece.
Segundo ele, a agência consegue fiscalizar mais de perto as grandes operadoras, que concentram entre 80% e 90% dos acessos dos usuários, mas não tem recursos para monitorar 100%.
O órgão precisa de R$ 7,5 milhões para contratar uma ferramenta tecnológica que deve aprimorar o acompanhamento das suspensões, mas ainda não conseguiu todo o recurso necessário.
Baigorri alerta que a incapacidade do Estado brasileiro em coibir as bets ilegais no Brasil pode gerar problemas inclusive para o bom funcionamento do mercado legal, já que as empresas que pagaram a outorga para operar no Brasil podem se sentir prejudicadas.
A saída, em sua visão, é combinar aprimoramentos na legislação com ações que afastem o usuário dessas plataformas irregulares, criando dificuldades de acesso e bloqueando inclusive meios de pagamento usados por essas empresas.
"Imagina, você coloca o dinheiro numa bet que é irregular, no dia seguinte o site está fora do ar. Por mais que daqui a duas horas ele volte, naquelas duas horas seu dinheiro tinha sumido. Eu não tenho como extirpar da realidade a bet irregular, mas eu vou fazer ela ser tão ruim que ninguém vai jogar nela."
O presidente da Anatel alerta ainda que retroceder na regulamentação das bets, revogando a lei ou declarando sua inconstitucionalidade, não surtirá maior efeito no sentido de coibir a atividade no Brasil. "Não tem como colocar o gênio de volta na lâmpada."
No entanto, ele critica o atual modelo de regulação adotado no Brasil, com a fiscalização centralizada na SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas), ligada à Fazenda -voltada para a tributação e que tem uma visão distinta do Ministério dos Esportes, preocupado com o peso que esse mercado tem para os clubes de futebol, por exemplo.
"Se você quiser seguir o livro-texto de regulação, primeiro [precisa de] um colegiado, não é um cara sozinho. Depois, toda regra que for fazer tem que ter análise de impacto regulatório, consulta pública, discutir com os agentes. O pessoal decidiu regular, mas não está seguindo o livro-texto da regulação", critica Baigorri.
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