Quem tem boa memória, se lembrou de uma cena lamentável recentemente com os bloqueios
dos caminheiros em todo o país. Passados apenas quatro anos, vivemos novamente cenas
preocupantes com desabastecimento de itens de primeira necessidade, como remédios e
combustíveis.
Assim como ocorreu em 2018, novamente nos questionamos da dependência excessiva do nosso
país pelo transporte rodoviário. Temo que mais uma vez fiquemos apenas na indignação e
poucas ou nenhuma ação concreta seja tomada.
Mesmo países em desenvolvimento como o Brasil, tem uma realidade melhor que a nossa há
muitos anos. Um bom exemplo é a Índia, com pouco mais de um terço da extensão territorial
brasileira, mas com um sistema de transporte de cargas e pessoas baseado na linha férrea e um
agravante: estão prestes a ultrapassar a China e se tornar o país mais populoso do planeta. Com
quase sete vezes a população brasileira e um poderio econômico semelhante ao nosso (Índia e
Brasil estão as dez maiores economias do mundo), é de se questionar por que eles conseguiram
e nós não mudar nossos meios de transporte.
O Brasil já teve um transporte ferroviário melhor. Não podemos nos esquecer que o Norte do
Paraná foi colonizado por meio de ferrovias, as quais eram o único meio de locomoção de
pessoas e cargas porque não existiam rodovias. A Rodovia do Café, atual BR-367 e BR-277,
que liga o Norte do Paraná a Curitiba, foi asfaltada em 1965. Tem esse nome porque foi
fundamental para o escoamento do grão para o Porto de Paranaguá. Hoje o mesmo porto recebe
outros grãos: soja e milho.
O meu leitor impaciente perguntaria: “Qual é a novidade disso tudo?”. Novidade é o foco aqui,
mas peço que as pessoas pensem nesses aspectos à luz da inovação. Por que passamos por
problemas até de desabastecimento se temos novas tecnologias a cada dia? Carros voadores
devem chegar nos próximos anos e dependemos de caminhões, muitas vezes em péssimo estado
de conservação, para termos comida em casa. Que ironia.
O fato de a inovação existir não significa que em breve estará ao nosso alcance. Depende da
vontade de vários atores. Um bom exemplo é a tecnologia para veículos elétricos. A base dela
foi criada há mais de um século!. Foram necessárias sucessivas crises energéticas, conflitos
internacionais com os principais produtores de petróleo do mundo e o aquecimento global para
que nações, empresas e pessoas aderissem à tecnologia dos veículos elétricos.
Não sou adepto de teorias da conspiração e tampouco de acreditar em planos diabólicos.
Contudo, é nítida a interferência de fatores políticos, notadamente em forma de lobby, e de
interesses escusos de corporações em postergar a chegada da inovação.
Certamente essa não é a única e nem a melhor explicação para o problema crônico de transporte
no Brasil, porém vale uma reflexão sobre as razões que impedem a mudança positiva em nosso
país. Torço para que não seja preciso ocorrer novos bloqueios e todos os problemas deles
decorrentes para que tomemos atitudes em prol da inovação ;)
*Lucas V. de Araujo: PhD e pós-doutor em Comunicação e Inovação (USP). Professor da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), parecerista internacional e mentor Founder Institute. Autor de “Inovação em Comunicação no Brasil”, pioneiro na área.