Os preços das carnes no Brasil podem fechar o ano de 2023 com queda acumulada de mais de 10% no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), segundo economistas ouvidos pela reportagem.
Uma redução anual desse tamanho é incomum na série histórica do índice, mas não compensaria totalmente a disparada da inflação que encareceu o churrasco no país nos últimos anos.
Até setembro de 2023, as carnes registraram deflação (queda) de 11,06% no acumulado de 12 meses do IPCA, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Leia mais:
Governo do Paraná vai investir em obras em SC para devolver royalties de petróleo
Receita abre consulta a lote da malha fina de novembro do Imposto de Renda
Mulheres são as mais beneficiadas pelo aquecimento do emprego formal no país
Consumidores da 123milhas têm uma semana para recuperar valores; saiba como
Pelas projeções do banco Santander Brasil, a redução deve alcançar 11,35% no ano até dezembro. Já a LCA Consultores prevê deflação de 10,75% para o mesmo período.
Apesar da diferença dos números, as duas estimativas sinalizam que as carnes tendem a fechar 2023 com a maior queda no acumulado até dezembro desde o início do Plano Real. O real entrou em circulação em julho de 1994 como parte de um esforço para combater a hiperinflação no Brasil.
De lá para cá, a maior deflação das carnes no acumulado de um ano cheio ocorreu em 1995. À época, a baixa foi de 10,25%, menor do que as reduções esperadas por Santander Brasil e LCA em 2023.
Adriano Valladão, economista do Santander Brasil, associa a queda da carne neste ano a um cenário de ampliação da oferta no mercado interno.
"O ciclo pecuário foi bem positivo e se refletiu em uma oferta de carne colossal. Fez despencar o preço do boi gordo, o preço no atacado, e teve repasse para o varejo."
De acordo com o IBGE, o abate de bovinos no país chegou a 8,36 milhões de cabeças no segundo trimestre. A alta foi de 12,6% ante o mesmo período de 2022 e de 13,4% em relação ao primeiro trimestre de 2023.
"Também teve baixa nos preços de insumos usados na produção. A ração caiu muito. Isso ajudou, mas a explicação primária é a oferta", afirma Valladão.
QUEDA VEM APÓS DISPARADA
Fábio Romão, economista sênior da LCA Consultores, faz avaliação semelhante. Ele diz que a maior disponibilidade de carne e a trégua dos custos produtivos estão relacionadas com a deflação no IPCA.
Romão chama atenção para o fato de que a queda, apesar de expressiva, devolve apenas uma parte dos avanços sentidos pelos consumidores em anos anteriores.
Em 2019, por exemplo, as carnes fecharam o ano com alta acumulada de 32,4% no IPCA, sob efeito do aumento das exportações.
A pressão continuou nos anos iniciais da pandemia, que elevou custos produtivos. A inflação das carnes foi de 17,97% em 2020 e de 8,45% em 2021. Em 2022, o aumento desacelerou para 1,84%.
"A queda é de dois dígitos em 2023, mas se trata de uma devolução parcial das fortes altas. Não devolve tudo", pondera Romão.
Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, projeta deflação perto de 8% para as carnes no acumulado de 2023.
Segundo ele, o final de ano pode gerar alguma pressão de demanda sobre os preços em razão do Natal e da renda mais elevada da população. Ainda assim, a deflação será "forte", aponta Vale.
Na comparação mensal, as carnes vêm em queda no IPCA desde janeiro de 2023. São nove meses consecutivos de deflação, até setembro, quando a baixa foi de 2,1%.
Romão vê espaço para uma nova redução em outubro, mas projeta alta em novembro e dezembro, período no qual a procura pelos produtos costuma aumentar.
"O principal momento de descompressão terminou", diz o economista. Ele prevê alta de 4% para as carnes no acumulado do IPCA em 2024.
"Não estou dizendo que os preços vão explodir no ano que vem, mas os fatores de queda estão perdendo força."
FÍGADO E FILÉ-MIGNON RECUAM MAIS
No IPCA, a variação das carnes é calculada a partir de 18 cortes a maioria de gado. Até setembro, 17 acumularam queda de preços em 12 meses.
O fígado (-15,83%), o filé-mignon (-15,52%) e a capa de filé (-14,9%) registraram as baixas mais intensas. A única alta foi a da carne de carneiro (5,33%).
Apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vêm usando a redução dos preços dos alimentos como propaganda do governo neste ano inicial de mandato.
Nas eleições de 2022, o consumo de carne virou tema de disputa política no país. Candidato à época, Lula chegou a dizer que o brasileiro deveria voltar a fazer churrasco e comer picanha.
Esse corte costuma ser um dos mais caros nos supermercados. Em 12 meses até setembro, a picanha acumulou baixa de 9,56% no IPCA.
Na cidade de São Paulo, o consumidor pagou R$ 38,14 pelo quilo da carne de primeira na média de agosto, segundo pesquisa da cesta básica do Procon-SP em convênio com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O preço caiu 10,3% em relação a igual mês de 2022, quando estava em R$ 42,54.
Ainda de acordo com o Procon-SP, o quilo da carne de segunda sem osso custou R$ 29,63 para o consumidor paulistano em agosto deste ano, também em média. A redução foi de 12,2% ante igual mês de 2022 (R$ 33,76).
Antes da pandemia, por exemplo, os níveis de preços eram mais baixos em São Paulo. Em agosto de 2019, o quilo da carne de primeira custava R$ 23,61, e o de segunda, R$ 18,25.