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A maioria dos brasileiros é contra as propagandas de sites de apostas esportivas, mostra pesquisa Datafolha feita entre os últimos dias 5 e 6. Sete em cada dez (71%) entrevistados manifestam oposição à veiculação de anúncios das chamadas bets, enquanto 17% são favoráveis. Outros 7% declararam-se indiferentes, e 4% não opinaram.
Entre quem já apostou, a proporção contrária à essa publicidade cai para 37%, contra 75% entre os que nunca jogaram e 72% no grupo dos que dizem ter parado de jogar.
A pesquisa realizou 1.935 entrevistas presenciais em 113 municípios de todas as regiões do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para cima ou para baixo, considerando um intervalo de confiança de 95%.
Ainda assim, hoje é impossível presentear um adolescente com uma camiseta oficial de um dos quatro grandes times do estado de São Paulo sem o logotipo de uma bet ou assistir a um jogo de futebol sem ver anúncios dessas marcas. Dos 20 clubes da Série A, 15 têm como patrocinadores principais uma empresa operadora de apostas.
As regras da Fazenda para evitar adoecimento mental pela jogatina online definem que qualquer propaganda do setor deve conter linguagem clara, com destaque para a proteção para menores de idade, mas especialistas em saúde e comunicação consultados pela reportagem avaliam que essa regulação não basta para impedir o alcance desse conteúdo a jovens.
No último dia 13, o STF (Supremo Tribunal Federal) antecipou a validade das normas do governo contra publicidade infantil, tendo como base o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ligada ao Ministério da Justiça, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) estabeleceu, no dia 19, um prazo de dez dias para as plataformas de apostas apresentarem um relatório de transparência, detalhando as ações adotadas para garantir o cumprimento das regras.
Os grupos de pressão que representam os sites de apostas afirmam que uma eventual proibição irrestrita da publicidade de apostas esportivas e jogos online seria prejudicial para toda a sociedade brasileira. A propaganda das empresas licenciadas pelo governo serviria para diferenciar as casas de apostas sérias das que desejam atuar na ilegalidade, dizem as entidades.
"As experiências estrangeiras, de países que proibiram totalmente quaisquer propagandas de bets, mostram que houve uma significativa canalização de apostadores para os sites ilegais", afirma em nota a ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias).
O IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável) afirma, também em nota, que testou ferramentas que reforçam a proteção aos menores de idade, como o reconhecimento facial para acessar os sites, que podem ser implementadas a partir de janeiro. Diz, ainda, que prevê diretrizes para as empresas associadas que proíbem a veiculação de mensagens voltadas a crianças e adolescentes.
As medidas de restrição à publicidade, por outro lado, restringiriam a exposição do público às apostas esportivas, de acordo com a professora de psicologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Maria Paula de Oliveira, que atende no ambulatório especializado em compulsão no jogo do Hospital das Clínicas.
Para ela, ainda faltam elementos gráficos obrigatórios, como as fotos ilustrativas de riscos à saúde nas cartelas de cigarro e os sinais de excesso de gordura ou açúcar em alimentos. "Na França, um outdoor de apostas precisa ter uma faixa avisando sobre o risco de dependência e o número de telefone, enorme, para que o jogador possa ligar e pedir ajuda."
Entre os apostadores entrevistados pela pesquisa Datafolha, 37% relataram algum mal-estar mental, sendo que 6% relatam dependência. Outros 2% citam episódios de ideação suicida. A taxa epidemiológica de compulsão por apostas fica entre 1% e 2% em outros países do mundo.
O professor da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo) Eugênio Bucci pede a proibição da propaganda de apostas, desde o início de outubro. "A experiência das restrições em publicidade de tabaco e bebidas alcoólicas, visando à proteção da saúde pública, mostram o êxito dessas políticas públicas e a popularidade delas junto à sociedade", disse à Folha.
Bucci afirma que a medida não significa uma restrição à liberdade de expressão, e sim uma proteção contra a publicidade abusiva. "As pessoas são assediadas por conteúdo de aposta nas redes sociais, elas são vítimas."
O Datafolha perguntou por qual meio os entrevistados foram apresentados às bets. Uma parcela de 32% disse que conheceu as apostas esportivas por meio de propagandas nas redes sociais.
A Folha de S.Paulo mostrou que milhares de anúncios de casas de apostas -inclusive de algumas não autorizadas a atuar no Brasil- eram impulsionados em redes sociais do grupo Meta, como Facebook e Instagram, e no X de Elon Musk, sem apresentar as restrições impostas por lei para menores de idade.
Os influenciadores e afiliados (uma espécie de revendedor autorizado das bets) que divulgam apostas ganham comissões com base nos valores perdidos pelos jogadores. A maioria das casas de aposta recorre ao modelo de afiliados, que lembra um esquema de pirâmide nas redes sociais.
Relatório do Instituto Alana mostrou, em junho, que até influenciadores mirins faziam anúncios de cassinos online. O mesmo documento alertou sobre episódios de apostas por menores registrados dentro de escolas.
A responsabilidade de barrar os anúncios seria das redes sociais, segundo advogados especializados no mercado de apostas. Questionada sobre os possíveis furos na moderação, a Meta disse trabalhar muito para limitar a disseminação de spam no Facebook e no Instagram, porque não permite conteúdos que possam enganar os usuários. O X não respondeu.
A partir de 1º de janeiro, as casas de apostas serão também responsáveis juridicamente por eventuais abusos de seus afiliados ou de influenciadores que contratarem.
Atrás das redes sociais na lista de canais de divulgação das bets, vêm os anúncios em televisão (11%), a propaganda em sites e portais (8%), a conversa com amigos (7%), grupos de mensagens (3%) e as camisas de futebol que estampam marcas de bets (3%).
Em dezembro do ano passado, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) publicou um guia com seis princípios para a publicidade de apostas:
- Vedação a estímulos a exageros;
- Identificação publicitária (deve estar claro que é propaganda);
- Compromisso com veracidade e informação;
- Proteção de crianças e adolescentes;
- Alinhamento às práticas de jogo responsável;
- Cláusula de advertência sobre a dependência em apostas.
A entidade diz que recebe denúncias contra eventuais violações.