O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) recebeu nesta quarta-feira (24), em audiência pública, sugestões para o aperfeiçoamento das regras que serão aplicadas às eleições municipais deste ano. Entre as propostas, foram apresentadas medidas para coibir possíveis fraudes no preenchimento da autodeclaração dos candidatos que concorrerem às eleições.
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Na audiência foram debatidas as minutas que tratam sobre registro de candidatura, fundo especial de financiamento de candidaturas e prestação de contas.
O tribunal já havia divulgado uma minuta com propostas de alterações em algumas das regras. Entre elas, a de restringir a mudança na autodeclaração dos candidatos de uma eleição para a outra.
Segundo o documento, quem o fizesse teria que se justificar junto ao TSE. A medida valeria para quem alterasse o registro para preto ou pardo.
"No caso de ser declarada, no registro de candidatura, cor preta ou parda em divergência com informação do Cadastro Eleitoral ou com anterior pedido de registro, a pessoa candidata e o partido, a federação ou a coligação serão intimados para confirmar a alteração da declaração racial", diz a minuta.
A medida visa coibir a mudança no cadastro e possíveis repasses indevidos de verba reservadas a candidaturas negras.
A minuta diz ainda que se for constatado que "houve erro na declaração racial, ou se o prazo transcorrer sem manifestação, a informação sobre cor ou raça será ajustada para refletir o dado constante do Cadastro Eleitoral ou de anterior registro de candidatura".
Neste caso, será vedado o repasse de recursos públicos reservados a candidaturas negras.
Durante a audiência pública algumas propostas relacionadas ao tema foram apresentadas.
Sidney Sá das Neves, do Conselho Federal da OAB, sugeriu que os partidos implementem comissões de heteroidentificação para que possam aferir com critério mais objetivo a autodeclaração do postulante.
"Justamente para fins de evitar o que se chamou de afro conveniência. Nessa última eleição, nós nos deparamos com candidatos se autodeclarando [negro] por entender que um antepassado, uma ancestralidade, havia uma pessoa negra, sendo que a pessoa não reúne um fenótipo de pessoa negra", disse.
Ela ainda sugeriu outra medida punitiva para coibir as fraudes. "Ainda que haja a retificação desse dado fraudulento, inserido nesse registro de candidatura, que as informações falsas lançadas não afastariam a configuração de eventuais ilícitos eleitorais ou até mesmo ilícitos criminais. Eu acho que a advertência fala muito forte e diz muito", disse.
Marcos Andre de Paula, da Anan (Associação Nacional da Advocacia Negra) também apresentou como sugestão que os candidatos passem por uma banca de heteroidentificação.
"Nós negros não somos silenciosos, somos silenciados, e todas as vezes que se admite a fraude ao sistema que deveria, em regra, corrigir essa distorção social e a falta de representatividade do nosso povo nos cargos de poder, principalmente aqueles destinados a votação e aprovação de políticas públicas e de redução, obviamente, das desigualdades, se agrava ainda mais esse quadro", disse.
Segundo ele, os fenótipos divergem da autodeclaração firmada pelo próprio candidato, que, "por motivos de falta de letramento racial ou outras questões, acaba por não representar a fidedignidade."
"Se ele não tem as características fenotípicas para se enquadrar em determinado grupo social, negro ou pardo, evidentemente, ele não sofre as mazelas de ser negro em um país racista como o nosso", disse.
Ele conclui dizendo que a fraude também tem um impacto relevante no sistema de distribuição de verba para candidaturas negras e que os partidos estariam burlando de alguma forma a norma.
Nas últimas eleições, algumas medidas foram aprovadas para incentivar e assim aumentar a participação de negros nas disputas eleitorais.
Em 2021, por exemplo, o TSE aprovou uma resolução que estabeleceu regras de distribuição dos recursos do fundo eleitoral. As legendas precisam agora distribuir o dinheiro para financiamento de campanha de forma proporcional para candidatos negros e brancos, levando em consideração o número de postulantes em cada partido.
Outra ação aprovada foi a de que, desde o último pleito, os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros são contados em dobro na definição dos valores do fundo partidário e do fundo eleitoral distribuídos aos partidos políticos. A medida é válida até 2030.
O TSE considera como negros a soma dos candidatos pardos ou pretos, e usa como critério a autodeclaração no registro de candidatura.
Um levantamento feito pela Folha para as eleições de 2022 apontou que 1.342 postulantes -considerando todos os cargos em disputa- mudaram a autodeclaração racial no pedido de candidatura, em relação à que haviam apresentado no pleito de 2018.
Isso representou 21,1% daqueles que concorreram em 2018 e voltaram a se candidatar em 2022. A troca mais frequente foi de branca para parda (549).
Segundo outro levantamento feito pela Folha, após o resultado das eleições, 19 deputados que foram reeleitos mudaram a autodeclaração de branco para pardo. Como, por exemplo, os parlamentares Alexandre Leite (União-SP), Elmar Nascimento (União Brasil-BA) e Félix Mendonça Júnior (PDT-BA).
Outro político que também mudou seu registro de candidatura foi Flávio Dino, agora ministro do STF. Quando concorreu às eleições para governo do Maranhão, ele mudou a autodeclaração de branco, em 2014, para pardo, em 2018.