O horror de uma tragédia como a de Suzano tem a capacidade inegável de levar medo a crianças e jovens estudantes de todo o País, que, com o mesmo perfil das vítimas, se veem como alvos em potencial de um ataque cuja maior marca é a incompreensão quanto à motivação. Para mitigar o temor, o caminho das famílias com seus filhos deve passar necessariamente pelo diálogo, defende a psicóloga Karen Scavacini.
O momento abre uma porta para ouvir os adolescentes sobre a percepção deles sobre o que aconteceu, como isso está repercutindo no núcleo estudantil mais próximo e, principalmente, dá aos adultos a oportunidade de, além de dimensionar a gravidade do crime, se mostrarem preocupados e atentos com a realidade e o cotidiano dos filhos.
Karen defendeu no ano passado sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), em que foca a prevenção ao suicídio, e é fundadora do Instituto Vita Alere, que presta assistência nesses casos. Com o Estado, ela conversou sobre esse momento de luto que toda uma comunidade escolar agora atravessa.
Como as famílias devem tratar com seus filhos sobre o que aconteceu em Suzano?
As famílias podem aproveitar o que aconteceu para trazer esse diálogo para dentro de casa, já que é um assunto que não é costumeiramente conversado. Os pais têm de escutar o que o jovem tem a dizer, o que ele ouviu falar sobre o caso, o que viu de fotos e vídeos. A partir daí, segue-se uma fase de orientação e acolhimento, porque é esperado que muitos jovens se sintam abalados e inseguros. Mas também pode ser o momento em que alguns vão falar que eles (os atiradores) estavam certos e isso é fundamental como um sinal de alerta.
Optar por ignorar o assunto em casa também é uma opção viável?
Sou a favor sempre do diálogo. Quando a família decide não conversar, ela terceiriza a formação de opinião, porque os jovens vão formá-la sozinhos, buscando interpretações nas redes sociais, por exemplo. O momento é excelente para iniciar um diálogo.
A senhora falou de sinal de alerta. Como isso se expressa e o que fazer diante dele?
Os pais precisam olhar o comportamento dos filhos e notar de perto as eventuais alterações que os deixam mais agressivos, mais impulsivos, e a ligação com a sensação que eles têm diante de episódios violentos. É também um gancho para uma conversa sobre bullying, não só se ele é vítima, mas também se ele pratica, coisas que por vezes é esquecida pelos pais. É preciso ter em mente que o jovem pode não ser aberto, a princípio, a estabelecer diálogos aprofundados, mas eles vão saber que há pessoas preocupadas e interessadas na vida deles - e isso pode fazer a diferença.
Como e quando transtornos evoluem de isolamento social para episódios violentos?
Isso vai ter muita relação com o que se passa na rotina do jovem e das influências que ele têm. Há três grandes campos que ajudam a entender essa situação: o da personalidade, o biológico e o biográfico. Ou seja, tem de ser levados em consideração desde traços da personalidade inerentes à pessoa, assim como a parte da genética relacionada eventualmente a transtornos mentais e também a biografia da pessoa, o que aconteceu com ela ao longo da vida. Nesse aspecto, um dos pontos importantes é o uso de álcool e drogas, que assumem um papel preponderante diante de um cérebro ainda em formação e podem induzir comportamentos impulsivos, quando as decisões não estão exatamente claras. Há ainda de se levar em consideração a importância de ensino e conversas sobre o que o jovem deve fazer quando está com raiva, e porque está com raiva. Estamos diante de uma geração de jovens que acha que o mundo tem de suprir tudo.
Qual o papel de um incentivo externo com caráter de chancela a um ato violento a ser praticado por um jovem?
Pode ser que, para pertencer àquele grupo, as pessoas notem que necessitam agir de uma maneira específica, e isso é um problema especialmente se a comunidade que o está envolvendo o encaminha para atos violentos. O peso desse incentivo pode ter um papel importante e negativo quando o jovem está em um momento de dúvida e recebe um encaminhamento forte para o lado violento. Por isso que a atenção e o apoio da família são fundamentais. Ela pode ter o papel de desincentivo também, encaminhando-o a um direção oposta à da violência.
Agora se segue uma fase em que o luto é marcante para toda uma comunidade escolar. Como lidar com isso?
É preciso fazer uma avaliação e dedicar especial atenção para os que hoje estão mais vulneráveis e para isso uma equipe multiprofissional é importante. Não só os alunos, mas os pais e professores precisam ser acolhidos. O pronto-atendimento ágil é importante, mas é preciso que a assistência se estenda porque a retomada da rotina vai trazer todas as lembranças do que aconteceu.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.