A chinesa State Grid, empresa que venceu o leilão para construir a principal linha de transmissão de Belo Monte, decidiu pegar um "atalho" para iniciar as obras e evitar atrasos no projeto de R$ 4,5 bilhões. O ‘Estado’ apurou que os chineses negociam com o Ibama uma autorização parcial ao empreendimento para instalar os canteiros de obra ao longo do traçado de 2.087 km de extensão da malha. Essa autorização driblaria a necessidade de conseguir, antes de qualquer tipo de intervenção, a licença de instalação do projeto, documento que efetivamente libera o início das obras.
O recurso foi usado em 2011 no licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte, em construção no Rio Xingu, no Pará. O caso está na Justiça, em processo movido pelo Ministério Público Federal (MPF) do Estado, que alega a ilegalidade do instrumento. Apesar da polêmica, a medida é tida como indispensável pelo consórcio Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE), formado pela State Grid (51%) e pela Eletrobrás (Furnas e Eletronorte, com 24,5% cada).
Abertura de canteiros não é uma tarefa trivial em projetos desse porte. Previsto para ter até 15 mil funcionários no pico das obras, o linhão de Belo Monte vai abrir pelo menos nove canteiros, com até 100 mil m² cada um, áreas que incluem alojamento, escritório, refeitório, ambulatório, depósito e estruturas operacionais.
A estratégia foi confirmada pelo vice-presidente de operações e manutenção da State Grid, Ramon Haddad. Em nota, ele declarou que as localizações serão definidas "após a emissão da licença prévia (que atesta apenas a viabilidade ambiental do projeto) e antes da emissão da licença de instalação".
Com início no município de Anapu (PA), a 17 km de distância da hidrelétrica de Belo Monte, a linha da BMTE vai avançar por quatro Estados - Pará, Tocantins, Goiás e Minas Gerais -, até chegar a Estreito, na divisa de Minas e São Paulo. Trata-se da principal rota de escoamento de energia de Belo Monte para a região Sudeste do País.
A antecipação dos canteiros, na avaliação dos chineses, pode reduzir a pressão que eles já começam a sentir sobre o contrato assinado em junho do ano passado. O plano previa que a primeira autorização (licença prévia) do Ibama saísse em abril, para iniciar as obras em junho, quando seria emitida a licença de instalação. As chances dessas autorizações se confirmarem nesses prazos, porém, são pequenas, dada a complexidade do projeto.
A possibilidade de utilização de trabalhadores chineses no empreendimento foi afastada por Ramon Haddad. "Neste projeto a mão de obra será brasileira, com total preferência para os trabalhadores locais, residentes nas proximidades das subestações e ao longo dos 2.100 quilômetros da linha de transmissão", declarou.
Para o procurador do MPF no Pará, Felício Pontes, caso o Ibama autorize a instalação dos canteiros antes da licença de instalação, o empreendimento pode ser alvo de um processo judicial. "Essa licença parcial não existe no direito ambiental. Não podemos nos omitir diante de uma ilegalidade tão grande", comentou. No processo movido contra a hidrelétrica de Belo Monte por conta da mesma estratégia, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região chegou a deferir a ação do MPF, mas o presidente do TRF suspendeu os efeitos da decisão, até que seja julgado o mérito do caso, o que ainda não ocorreu, segundo o MPF.
Espanhóis. Bem mais preocupante que o projeto dos chineses é o empreendimento da espanhola Abengoa. Dona do chamado "linhão pré-Belo Monte", rede que vai distribuir energia da usina pelo Nordeste, a Abengoa assumiu o compromisso de entregar uma rede de 1.854 km de extensão em fevereiro do ano que vem, mas as obras ainda não começaram.