Aguardadas neste verão como a salvação do colapso do Sistema Cantareira, as chuvas dentro da média não acontecem no maior manancial paulista desde julho de 2012. Há 28 meses, os reservatórios têm recebido menos água do que o esperado, segundo os registros oficiais das vazões afluentes, que é a água que corre pelo leito. Durante todo este ano, o volume que entrou equivale à metade das mínimas históricas em 84 anos de medição.
Simulações feitas pelo especialista em recursos hídricos José Roberto Kachel, a pedido do Estado, mostram que, se a crise de estiagem persistir, o Cantareira chegará ao final de abril de 2015 com -33% da capacidade. Isso significa que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) já terá retirado 45 bilhões de litros da terceira cota do volume morto para abastecer cerca de 6,5 milhões de pessoas da Grande São Paulo que ainda dependem do manancial.
Hoje, o nível do sistema está negativo em 21%, considerando a segunda cota da reserva profunda. Pelo atual cenário, o Cantareira chegaria no próximo período de estiagem, que vai até setembro, em uma situação bem pior do que a de abril deste ano, quando as represas computavam 10% da capacidade positiva. Restariam cerca de 150 bilhões de litros para secar o manancial completamente.
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O governo Geraldo Alckmin (PSDB), contudo, acredita que a entrada de água no sistema deve se normalizar neste verão. Em setembro, o secretário de Recursos Hídricos, Mauro Arce, que deixará o cargo em janeiro, disse que se chover o esperado o Cantareira estaria 100% recuperado em um ano. Segundo ele, a chance de isso acontecer é de 50%. As simulações mostram que se a vazão voltar mesmo à média histórica, o sistema chegará ao final de abril de 2015 com 22% da capacidade, melhor do que no mesmo período deste ano. Em outubro e novembro, porém, as entradas de água ficaram 80% abaixo da média. Neste mês, até a semana passada, a vazão correspondia a apenas 17% do esperado, uma diferença de 39,4 mil litros por segundo, ou 105 bilhões de litros no fim de dezembro.
Efeito esponja. O solo seco é o maior obstáculo hoje para a recuperação do Cantareira, segundo Kachel. "Boa parte da água que cai é absorvida pelo solo. É preciso chover o dobro da média histórica para recarregar o solo e fazer com que as vazões afluentes fiquem próximas da média", afirma o professor e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê.
Março foi um exemplo. Dados da Sabesp mostram que choveu no manancial 193,3 milímetros naquele mês, 5% a mais do que a média histórica, de 184,1 milímetros. Boa parte do volume foi sugada pelo solo. Em termos de vazão, o resultado foi alarmante: 77% abaixo da média. De lá para cá, a pluviometria ficou abaixo do esperado. Segundo Kachel, para normalizar a situação seria necessário cair um "dilúvio", como aconteceu em 1983, logo após o governo paulista concluir a construção das represas Jaguari-Jacareí, que respondem por 82% da capacidade do manancial. "A expectativa era de que demorasse três anos para a represa encher, sem retirar nada. Por causa do El Niño naquele ano, aconteceu esse dilúvio e a represa encheu em oito meses", diz Kachel.
Para o professor de Hidrologia da Unicamp, Antonio Carlos Zuffo, no atual cenário de seca extrema, mais do que intensas, as chuvas precisam ser constantes. "Uma chuva não provoca a mesma quantidade em vazão. Com o solo encharcado o resultado é um, com o solo seco, outro. Na situação atual, elas precisam ser contínuas para encher os reservatórios."
Déficit. As previsões mais pessimistas no plano de contingência do Cantareira entregue pela Sabesp aos órgãos reguladores esperavam a entrada de 76,6 bilhões de litros a mais do que realmente entrou nos dois últimos meses.
O "déficit" ocorre porque a empresa fez seu planejamento considerando como pior cenário as vazões de 1953, ano da última grande estiagem. O problema é que a entrada de água no sistema em 2014 tem sido 62% menor, o que coloca em xeque o planejamento da Sabesp.
Em nota, a companhia informou que "tem obrigação de planejar e considerar os mais diferentes cenários, a fim de avaliar a utilização dos seus reservatórios" e que uma redução ainda maior na retirada de água do Cantareira "compete aos órgãos reguladores ANA e DAEE". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.