Após mais de seis anos de investigações, os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram condenados nesta quarta-feira (30) pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, no Rio de Janeiro.
O veredito foi proferido após julgamento do 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, que começou às 10h30 de quarta-feira (30) e foi concluído por volta das 18h desta quinta-feira (31). As penas serão anunciadas em breve pela juíza Lúcia Glioche, que preside o julgamento.
A pena estabelecida pelo tribunal só será aplicada para o caso de descumprimento do acordo de colaboração premiada que ambos assinaram. A rescisão da delação ocorre em casos como identificação de alguma mentira, omissão ou cometimento de novo crime.
O acordo de Lessa prevê o cumprimento de pena em regime fechado até março de 2037 -18 anos na cadeia contados a partir da data da prisão, em 2019. Depois estão previstos dois anos em regime semiaberto e outros dez em livramento condicional. Os 30 anos se referem aos 12 processos a que ele responde. A reunião das penas será feita pelo juízo de execução penal.
Os detalhes do acordo de Élcio não são de conhecimento público.
"Esse acordo é muito rígido. É talvez um dos mais rígidos feitos no Brasil", afirmou o promotor Eduardo Martins durante sua sustentação oral aos jurados.
Martins explicou aos jurados que a pena a ser imposta pelo Tribunal do Júri é importante para o caso de algum dos colaboradores descumprir o acordo. Se a delação é desfeita, a pena aplicada é a definida nos julgamentos, sendo o caso Marielle o principal.
"Se eles omitiram, se mentiram, se voltarem a cometer outro crime... [...] Se faltando um mês, praticarem uma infração mínima, se dirigirem alcoolizados, vão cumprir a pena inteira que o senhores reconhecerem e a juíza fixar. Têm que cumprir a pena sem cumprir falta grave. Não vão poder tentar fugir do presídio, agredir um agente penitenciário. Se isso acontece, ele volta para cumprir os 30 anos fechados", disse o promotor.
Lessa e Queiroz participaram do júri por videoconferência. Para evitar aglomeração e tumulto, o juiz pediu que apenas os envolvidos diretamente com o julgamento comparecessem ao plenário. O primeiro está preso no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, e o segundo, no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal.
Os dois firmaram acordo de delação e confessaram o crime. Queiroz confessou ter dirigido o carro para que o ex-PM Lessa desse os tiros que mataram Marielle e Anderson.
Lessa também apontou o deputado federal Chiquinho Brazão e o conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão como os mandantes do crime. Os dois estão presos, assim como o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, acusado de ajudar os irmãos a planejar o crime.
Os três respondem a ação penal no STF (Supremo Tribunal Federal), que está na reta final da instrução.
O CRIME
A vereadora e o motorista foram assassinados no bairro Estácio, centro do Rio, por volta das 21h30 do dia 14 de março de 2018. Seu veículo foi atacado a tiros quando voltavam de um encontro com mulheres negras na Lapa, também no centro, a cerca de 4 km dali.
Marielle estava no banco de trás com sua assessora, que sofreu ferimentos leves. Na frente estava o motorista Anderson Gomes. Após os disparos, os criminosos fugiram do local, sem roubar nada.
O crime provocou uma grande comoção dentro e fora do país, com manifestações pedindo a identificação e prisão dos culpados. Vários veículos de imprensa internacionais noticiaram e até alguns deputados do Parlamento Europeu levaram cartazes homenageando a vereadora.
Desde o início, as investigações permaneceram na Polícia Civil do Rio de Janeiro. A PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentou uma denúncia contra Domingos Brazão por obstrução de Justiça. Junto a outras quatro pessoas, ele teria tentado atrapalhar as investigações do caso. Na peça, enviada ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), a PGR também afirmou que Brazão arquitetou o homicídio de Marielle.
No entanto, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), as investigações não andaram, o que foi motivo de muitas críticas pelos defensores dos direitos humanos. A situação mudou em 2023, já no governo Lula, quando Flávio Dino, então ministro da Justiça e Segurança Pública, determinou a instauração de um inquérito na Polícia Federal para ampliar a colaboração federal. Pouco tempo depois, Élcio Queiroz e Ronnie Lessa assinaram a delação premiada.
Lessa contou que o acordo fechado com os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão para matar a vereadora lhe renderia até US$ 20 milhões. Segundo ele, em troca do crime, ele e o comparsa Edimilson de Oliveira -também ex-PM, conhecido como Macalé e assassinado em 2021- se tornariam sócios em dois loteamentos clandestinos na zona oeste do Rio de Janeiro.
Segundo a Polícia Federal, o plano de assassinato da vereadora foi planejado pelo então diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio, delegado Rivaldo Barbosa, também preso em março.
Rivaldo teria aderido ao crime antes mesmo de Ronnie Lessa e Macalé, diz a PF, passando a ser um dos arquitetos do assassinato com os irmãos Brazão.
O relatório aponta que o delegado chegou a fazer uma "exigência fundamental" que seria repassada aos executores, de que a morte não poderia ocorrer após a saída da vereadora da Câmara Municipal, a fim de afastar a ideia de crime político. O objetivo de Rivaldo com a exigência era manter as investigações sob sua alçada.
Nesta quarta, a primeira a depor foi a jornalista Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle e sobrevivente do atentado. Ela relatou ao júri os momentos imediatamente anteriores e posteriores ao assassinato. Disse que saiu sem ferimentos no corpo após a rajada de tiros e acreditava que o mesmo pudesse ter acontecido com a vereadora.
"Meu corpo inteiro ardia. Não tinha certeza se eu tinha sido atingida ou não. Olhava para a Marielle lá dentro. Queria acreditar que ela estava viva. Imaginava que ela poderia estar desmaiada. Como eu saí tão inteira, não queria admitir que ela estava morta", disse Fernanda.
Na sequência, falou Marinete da Silva, mãe da vereadora, que afirmou não ter como definir a dor que sentiu ao ter a filha assassinada. "Não tem como definir a minha dor. Não tem como definir o que passei esses anos. Passei por um câncer, tive quatro cirurgias e estou aqui hoje para dizer o quanto é importante dentro da minha vida e da minha família dizer que a Marielle fez falta como mãe. [...] A minha dor não tem nome. Não tem como alguém mensurar o que é isso. Estou aqui para pedir justiça para Marielle e Anderson."
Em seu depoimento, a vereadora Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle, afirmou que "existe uma política antes e uma depois do assassinato". "A política que vem depois se desdobra porque é um reflexo da figura que estava em construção. Não há dúvida nenhuma de que Marielle era uma grande liderança da esquerda deste país. Das mulheres, das feministas num campo em que ela construía, da população preta de favela. Acho que a Marielle hoje estaria ocupando o lugar que quisesse ocupar. Ou pelo menos disputando e com apoio político", disse Mônica.
Já a servidora pública Agatha Arnaus, viúva do motorista Anderson Gomes, disse que seu marido sempre se esforçou para tornar leves momentos difíceis. "Ele era essa pessoa que fazia qualquer dia horrível ficar melhor com gestos simples."