Brasil

Punição por tragédia no RS deve demorar anos

31 jan 2013 às 14:49

A punição aos responsáveis pela tragédia em Santa Maria, que deixou mais de 230 mortos, deve levar anos devido à quantidade de atores envolvidos no processo e à lentidão da Justiça brasileira, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

Eles alertam que, por mais que o inquérito da polícia e a apresentação da denúncia pelo Ministério Público (MP) sejam concluídos rapidamente, o julgamento pode ser longo por causa da complexidade do caso.


Segundo os especialistas, apesar de a casa noturna ser a principal cena de investigação policial, há muitos elementos que ainda precisam ser esclarecidos, como a participação de cada um dos envolvidos no incêndio e na subsequente morte dos jovens.


"Ainda é preciso definir quais foram os papéis de cada um dos atores. Houve negligência dos donos da casa noturna? Os seguranças impediram a saída do público? Por que um integrante da banda acendeu um sinalizador? Isso foi a causa do incêndio?", enumera Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).


"É claro que as provas e os indícios constarão no inquérito policial e na denúncia do MP. Mas há muitos atores envolvidos. O recolhimento das evidências não pode ser feito de maneira açodada, pois, do contrário, o juiz pode requerer revisão do processo, o que atrasaria o julgamento", acrescenta.


Recursos


Na avaliação dos especialistas, também será preciso discutir o tipo de crime cometido pelos envolvidos na tragédia: se os acusados tiveram ou não intenção de matar. Além disso, mesmo depois de julgados em primeira instância, os acusados poderiam recorrer da condenação - dependendo do caso, em liberdade - em tribunais superiores, por meio da interposição de recursos.


"A legislação brasileira é ultrapassada e acaba por reforçar a cultura de irresponsabilidade, que, no fim das contas, acaba por gerar a sensação de impunidade no país", afirma Odete Medauar, professora de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "Ou seja, trata-se daquela velha sensação de que ninguém no Brasil é punido", acrescenta.


Prisão temporária e preventiva


Segundo a polícia de Santa Maria, quatro envolvidos na tragédia permanecem presos temporariamente. A prisão temporária deles foi decretada na última segunda-feira e durará cinco dias, podendo ser prorrogada por igual período.


Especialistas afirmam que, se necessário, depois desse tempo, a prisão preventiva dos suspeitos pode ser decretada. "Porém, isso tende a ser pouco provável, uma vez que ela só é pedida em casos excepcionais, como, por exemplo, se há ameaça de fuga ou se há risco à população", afirma Sundfeld.


Segundo os especialistas, as responsabilidades dos acusados podem variar nas esferas cível (indenizações), penal (crimes) e administrativa (processo disciplinar). Na última terça-feira, em uma entrevista coletiva, o delegado Marcelo Arigony, responsável pelo caso, e o promotor Cesar Augusto Carlan disseram que agentes públicos poderiam ser responsabilizados pela tragédia na boate Kiss.
Assim, além dos donos da casa noturna e dos integrantes da banda que acenderam o sinalizador, que teria provocado o incêndio, a Prefeitura e o Corpo de Bombeiros também poderiam ser responsabilizados pela tragédia.


"Eles poderiam ser considerados corresponsáveis pelo crime, uma vez que a lei determina os deveres do ofício", diz o jurista Roberto Delmanto Júnior.


Penas


A definição das penas dependerá do entendimento do Judiciário. Segundo o advogado criminalista Carlos Kauffmann, se o juiz entender que houve homicídio culposo (quando não há intenção de matar), as penas podem variar de um a até três anos de prisão.


"Nesse caso, as penas devem ser convertidas em prestação de serviços à comunidade", afirma Kauffmann. Por outro lado, para o criminalista, o Ministério Público pode entender que o incêndio foi causado por dolo eventual, quando o acusado, apesar de não ter a intenção de matar, assume concretamente o risco do resultado.


"Nessa hipótese, que, apesar de ser menos provável, parece ser a adotada pelo MP, uma vez que houve prisão temporária, o caso poderia ir a um tribunal do júri e demoraria mais tempo. As penas variariam de seis a 20 anos de prisão, dependendo da qualificadora", acrescenta Kauffmann.
Para parte dos especialistas ouvidos, no entanto, a pressão popular e a repercussão negativa do caso para o Brasil podem contribuir para que o episódio não caia no "esquecimento".

"Por mais que o processo seja demorado, acredito que não deva haver 'pano quente' nessa história, devido à quantidade de mortes, sobretudo de jovens", conclui Medauar, da USP.


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