Morreu nesta quarta-feira (15), aos 96 anos, no Hospital Samaritano do Rio de Janeiro, onde estava internado, o pintor e escultor de origem polonesa Frans Krajcberg, cuja obra, associada à preservação ambiental, usa troncos e raízes de árvores calcinadas. Ativista, Krajcberg lutou até o fim da vida contra a destruição de florestas desde que chegou sozinho ao Brasil, em 1948. Toda a sua família, de origem judia, foi morta em campos de extermínio nazistas.
Ao se instalar no País, Krajcberg participou da primeira edição da Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, com duas pinturas. Ainda que fosse menos conhecido como pintor, sua obra no suporte foi recentemente exibida pelo marchand Acácio Lisboa em sua galeria Frente, surpreendendo o público. Em 1956, já mais interessado em escultura, o artista, naturalizado brasileiro desde 1957, dividiu ateliê com o escultor Franz Weissmann (1911-2005) ao se mudar para o Rio de Janeiro. Sempre frequentando o circuito internacional, ele dividia seu tempo entre o Rio e Paris, que reconheceu sua obra, dedicando a ele um espaço permanente de exposição, além de distinguir o artista com a mais alta honraria da cidade, a Medalha Vermeil, por sua contribuição às artes.
Isso não aconteceu em Nova Viçosa, no sul da Bahia, onde residia há 45 anos e tentou construir um museu para abrigar três centenas de esculturas de sua autoria. Krajcberg costumava reclamar da indiferença local em relação ao seu trabalho artístico e de preservação ambiental. Solitário, ele teve sua casa invadida por ladrões cinco vezes. Depois do último roubo, três policiais passaram a cuidar de sua segurança pessoal. Mesmo com problemas de saúde, o artista costumava viajar e fotografar as áreas atingidas por incêndios criminososos. "Vocês não sabem o que está acontecendo na Amazônia; é um massacre, precisamos interromper esse ciclo", disse, numa de suas muitas entrevistas para denunciar a destruição das florestas brasileiras.
As primeiras esculturas em madeira de Krajcberg foram feitas em 1964. Já nessa época ele visitava com frequência o Pantanal matogrossense e a Amazônia para registrar o desmatamento e recolher troncos e raízes para suas esculturas. Em Nova Viçosa ele chegou a plantar mais de 10 mil mudas de espécies nativas. Em 2003, ele inaugurou o Espaço Krajcberg no Jardim Botânico de Curitiba, que reuniu 114 obras do escultor, entre esculuras e fotografias.
Cinzas
O corpo do artista será cremado no Rio, e suas cinzas ficarão no sítio em que morava, em Nova Viçosa, no Sul da Bahia, conforme ele desejava. A amiga Anna Letycia, gravadora com quem ele conviveu nos últimos 60 anos, contou que Krajcberg, que não tinha descendentes, manifestou essa vontade a amigos.
"Ele era um apaixonado pelo Brasil, odiava que falassem que era um polonês naturalizado brasileiro. Queria ser tratado como brasileiro. Adorava aquele lugar, mesmo não tendo nada lá além de seu sítio. Deixou tudo para o governo da Bahia, por escrito, para que terminassem o museu. Lá estão guardadas umas 300 peças", Anna contou. "Ele trabalhou até o fim, com três ou quatro ajudantes, naturalmente. Estava com vários problemas de saúde, uma doença terrível na pele."
Erguido com recursos próprios, o Museu Ecológico Frans Krajcberg já funciona informalmente, recebendo curiosos. Pronto, deverá ter cinco pavilhões, dos quais dois já estão construídos: um para abrigar esculturas monumentais, outro para relevos de parede e um terceiro para o setor administrativo. Faltam dois, a serem construídos pelo Estado da Bahia, um para a sua produção fotográfica e outro para servir de entrada.
Já em 2009 Krajcberg assinara um termo de doação de sua obra à Bahia para ser concretizada após sua morte. A 900 quilômetros de Salvador e a 300 de Vitória (ES), o sítio Natura fica numa área de grande beleza natural, mas distante dos centros consumidores de cultura. O artista vivia e mantinha seu ateliê lá.
"É uma cidade de difícil acesso, mas o resultado é extraordinário. Vale a viagem", recomendou Marcia Barrozo do Amaral, galerista que o representa no Rio há quase 30 anos. Marcia contou que as investigações artísticas de Krajcberg se mantiveram até pouco antes de ele morrer.
"Ele era movido pela paixão pela arte e pela natureza. Foi um dos primeiros artistas que se interessaram pela questão ambiental. Trabalhou até dois meses atrás, produzindo obras novas, introduzindo grandes modificações. Não repetia o que já sabia que daria certo. Pesquisou novos materiais, novas formas e cores."
Desde os anos 1970 escolhera a Bahia para viver. Não saiu da região mesmo com a sequência de cinco assaltos que sofreu, em decorrência dos quais perdeu aparelhos eletrônicos, como TV e máquina fotográfica, roupas, objetos pessoais e dinheiro. Ele chegou a ficar sob a mira de armas. O governo contratou segurança particular para protegê-lo e Krajcberg se sentiu mais tranquilo. Ele também mantinha ateliê em Paris, auxiliado pela prefeitura local, e gostava de produzir por lá no inverno europeu. Só deixou de viajar nos últimos anos de vida, segundo Marcia.
Anna Letycia, que conheceu Krajcberg nos anos 1950, quando ele já estava fixado em definitivo no Brasil, disse que desde então estiveram "muito juntos". Ela acompanhou sua internação no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e no Samaritano, no Rio. "Guardo muitas recordações, no Rio, na Bahia, em Paris. Ele adorava festa e pensava já na comemoração do aniversário (de 97 anos, em abril do ano que vem). Já tinha planejado que a festa seria no Rio."