Uma maior rigidez na punição e no controle do porte de armas de policiais com histórico de violência ou outros problemas poderia evitar tragédias como a que matou Leandro Lo Pereira do Nascimento, 33, na madrugada do último domingo, durante show em um clube na zona sul de São Paulo.
O octacampeão mundial de jiu-jítsu foi morto com um tiro na cabeça. O tenente da Polícia Militar Henrique Otavio Oliveira Velozo, 30, que estava de folga, foi preso por suspeita de ter feito o disparo.
Em maio do ano passado, ele foi condenado a nove meses de prisão em regime aberto. Porém, por ser réu primário, a Justiça suspendeu o cumprimento da pena por dois anos. Quem recebe esse tipo de concessão tem a pena extinta caso não cometa outro crime no período estabelecido.
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Em outubro de 2017, ele teria se envolvido em uma confusão numa casa noturna na Lapa, zona oeste paulistana. Segundo denúncia à Justiça, ao ser abordado por policiais, ele agrediu fisicamente um soldado e verbalmente um tenente.
O professor da área de segurança da FGV Rafael Alcadipani, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, defende o direito de o policial andar armado mesmo quando de folga, pois está sob risco e "é policial 24 horas por dia". Entretanto, ele critica o que diz ser leniência da corporação. "A polícia deveria ter tolerância zero para esse tipo de situação, de uma pessoa que não tem equilíbrio e anda armada", afirma.
Para o especialista, um policial que se envolve em uma briga precisa passar por tratamento psicológico e ficar sem a arma durante esse período. "Se der um tiro no chão numa discussão de trânsito, já é o suficiente."
O Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, passou a permitir que policiais possam portar arma de fogo, mesmo quando estão de folga, inclusive em locais de grande aglomeração.
Um decreto federal de 2019, que regulamentou o estatuto, afirma que as instituições integrantes da segurança pública baixarão normas gerais de uso de arma de fogo de sua propriedade, fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos e clubes, públicos e privados.
No caso de São Paulo, uma portaria de fevereiro de 2020, diz, por exemplo, que policial militar fora de serviço poderá portar arma de fogo em locais com aglomeração de pessoas desde que não conduza a arma ostensivamente, cientificar o policiamento do evento, se houver, fornecendo nome, posto ou graduação, unidade e a identificação da arma.
O texto afirma ainda que o PM que desejar ingressar em estabelecimentos privados, desde que não seja para o atendimento de ocorrência policial, e caso seja solicitado pela segurança local, deverá fornecer as mesmas informações.
Segundo a advogada Erika Odacy Ferreira de Souza, integrante da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de São Paulo, que é contra o porte de armas fora do ambiente de trabalho, lembra que, se a segurança de uma casa noturna tentar barrar um policial de folga armado, não conseguirá, porque hierarquicamente possíveis regras do local são inferiores a uma legislação federal.
"Portar arma de fogo em um ambiente com bebidas alcoólicas é um conflito. Imagine se o policial acaba desarmado? Pode haver uma tragédia", afirma.
Para Souza, se houvesse repreensão no caso anterior do policial suspeito de ter matado o lutador de jiu-jítsu, o crime talvez pudesse ter sido evitado.
Para Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, houve falha nos órgãos de correição da PM para não fazer uma restrição a alguém que já havia apresentado problemas.
"Estamos falando de um policial que já havia se envolvido em confusão, que foi condenado por isso e, mesmo assim, não teve pedido de expulsão da polícia e restrição para o seu porte de arma fora de serviço", afirma.
Langeani, que segue a postura do instituto de ser contra porte de armas em locais com aglomeração, menos para policiais em serviço, afirma que crimes como o do fim de semana não são raros, apesar da falta de estatísticas.
Em Goiás, lembra o especialista, uma portaria proíbe policiais de portarem armas da corporação em casas noturnas e boates. Apenas agentes de serviços têm a autorização.
A pistola usada no crime que matou Leandro Lo, segundo a Polícia Civil, era da Polícia Militar, o que para o integrante do Instituto Sou da Paz torna o caso ainda mais grave.
O policial militar aposentado Alan Fernandes, professor da FGV e do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Pão Paulo e também membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que "cansou de ver PM ser ameaçado em horário de folga", por isso, considera que há necessidade do porte da arma, mesmo quando não está de folga, mas é receoso quanto a isso.
Fernandes diz que não sai com uma arma em situações assim há 20 anos. "Até 2003, ninguém entrava armado em show, nem policial militar, nem delegado, era o melhor cenário", afirma.
O caso do último fim de semana, segundo ele, mostra que o uso de armas tem grande possibilidade de se transformar em tragédias. "Seria conveniente que ninguém estivesse armado, nenhuma carreira pública", afirma ele, que não vê falta de preparo em policiais para evitar ocorrências quando estão de folga.
Procurada desde o fim de semana para falar de casos anteriores do tenente preso, a PM não respondeu até a publicação desta reportagem. No domingo, em nota, a corporação disse que lamentava o ocorrido e que havia aberto um procedimento administrativo.
A defesa do tenente também tem sido procurada desde domingo e não se manifestou.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública frisou as regras para policiais portarem armas quando estão de folga, mas diz que eles não são obrigados a levá-las a todos os lugares. "Depende de uma avaliação de risco pessoal, obedecidas as regras previstas no decreto do comandante geral da PM", afirma.
O que diz a portaria da PM
O policial militar fora de serviço poderá portar arma de fogo em locais onde haja aglomeração de pessoas em virtude de evento de qualquer natureza, obedecidas as seguintes condições:
- não conduzir a arma ostensivamente
- cientificar o policiamento do evento, se houver, fornecendo nome, posto ou graduação, Unidade e a identificação da arma
Parágrafo único - O policial militar que desejar ingressar em estabelecimentos privados, desde que não seja para o atendimento de ocorrência policial, e caso seja solicitado pela segurança local, deverá fornecer seu nome, posto ou graduação, Unidade e a identificação da arma.