Uma série de estudos recentes mostram que o aumento no nível dos oceanos, impulsionado pelo aquecimento global, está acontecendo em ritmo cada vez mais acelerado. Diante desse cenário, as cidades do Rio de Janeiro e de Atafona (RJ), no litoral fluminense, podem enfrentar um aumento médio das águas de 16 cm entre 2020 e 2050.
A projeção integra um novo relatório divulgado pelas Nações Unidas nesta terça-feira (27). O documento, que compila o resultado de vários trabalhos recentes relacionados ao tema, foi descrito pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, como um "um SOS para o aumento do nível do mar".
A simulação apresentada para o Brasil foi calculada utilizando uma ferramenta desenvolvida por cientistas da Nasa (agência espacial americana), que incorpora as projeções de aumento do nível do mar feitas pelo IPCC (painel de especialistas do clima da ONU) mediante diferentes cenários de aquecimento (de 1,5°C a 5°C).
O documento apresenta as previsões para importantes áreas costeiras de estados-membros do G20 -grupo que integra as 20 maiores economias do mundo- em um cenário de 3°C no planeta. Segundo a ONU, trata-se de uma conjuntura "aproximadamente consistente com um caminho de políticas atuais".
Até 2050, a maioria das grandes cidades costeiras do bloco deve ter um incremento adicional do nível do mar de mais de 15 cm, com seis cidades (Atlantic City, Boston, Nova Orleans, Nova York, Osaka e Xangai) potencialmente com um aumento entre 24 cm a 41 cm.
No Brasil, as duas cidades avaliadas apresentam resultados semelhantes. Rio de Janeiro e Atafona (RJ), que já tiveram um aumento observado de 13 cm no nível do mar entre 1990 e 2020, têm projetadas uma elevação média de 16 cm (entre 12 cm e 21 cm) até 2050.
O relatório não indica problemas regionais específicos para o Brasil e para a América Latina, mas destaca que a subida dos oceanos potencialmente terá consequências devastadoras para diversas populações do planeta, além de danos substanciais às economias.
"Grande parte da população mundial, das atividades econômicas, da infraestrutura crítica e dos sítios de patrimônio cultural mundial está concentrada perto do mar: a zona costeira de baixa elevação [que está no máximo 10 metros acima do nível médio do mar] gera cerca de 14% do PIB global e abriga quase 11% da população mundial, cerca de 900 milhões de pessoas, um número projetado para ultrapassar 1 bilhão até 2050", diz a publicação.
Desde o início do século 20, o nível médio do mar subiu mais rápido do que em qualquer século anterior nos últimos 3.000 anos, e essa taxa de aumento está acelerando à medida que a Terra segue aquecendo.
Geleiras e mantos de gelo, que contêm uma parte significativa da água doce do planeta, estão derretendo em ritmo intenso, contribuindo para jogar ainda mais água nos oceanos. Os sete piores anos para a perda de gelo já registrados ocorreram na última década.
O novo documento destaca que, desde a publicação do último relatório do IPCC, em 2021, "um número crescente de estudos científicos sobre a perda de camadas de gelo tem alarmado os cientistas quanto à possibilidade de que o aumento futuro do nível do mar possa ser muito maior e ocorrer mais cedo do que se pensava anteriormente".
Os trabalhos mais atualizados sugerem que um cenário de aquecimento de 2°C acima do valor de referência do período pré-industrial poderia levar à perda expressiva de gelo em quase toda Groenlândia e em boa parte da Antártida, desencadeando um aumento do nível do mar entre 12 e 20 metros, com potencial comprometer o planeta ao longo de milênios.
Uma elevação de temperatura acima dos 3°C teria efeitos ainda mais devastadores, com danos extensivos nas áreas costeiras, afetando os meios de subsistência de diversas comunidades que vivem nessas regiões em todo o mundo.
Por conta dos efeitos dos gases-estufa que já foram emitidos, diversos trabalhos já evidenciaram que a elevação do nível dos oceanos permanecerá mesmo em um cenário de interrupção de novas emissões.
Esta conjuntura, que já é ruim para o planeta como o um todo, ganha contornos mais dramáticos para as nações insulares do Pacífico, onde 90% da população vive a menos de 5 km da costa e metade das infraestruturas estão a menos de 500 metros do mar.
Embora representem apenas 0,02% das emissões globais, estão especialmente expostas aos efeitos diretos da subida do nível das águas causada pelas mudanças climáticas.
Também nesta quinta-feira (27), OMM (Organização Meteorológica Mundial), vinculada à ONU, lançou a mais nova edição do relatório sobre o estado do clima no sudoeste do Pacífico, referente a 2023.
"O oceano absorveu mais de 90% do calor excessivo retido pelos gases de efeito estufa e está passando por mudanças que serão irreversíveis por séculos. As atividades humanas enfraqueceram a capacidade do oceano de nos sustentar e proteger e, através do aumento do nível do mar, estão transformando um amigo de longa data em uma ameaça crescente", disse Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.
"Já estamos vendo mais inundações costeiras, recuo da linha costeira, contaminação por água salgada dos suprimentos de água doce e deslocamento de comunidades", completou.