O ex-presidente da Camargo Corrêa Dalton dos Santos Avancini - réu nos processos da Operação Lava Jato - apontou em delação premiada o nome do irmão do ex-ministro Antônio Palocci, Adhemar Palocci, como suposto recebedor de propina na Eletronorte - estatal do setor de energia do governo federal. No depoimento, do dia 14 de março, o executivo que está preso em regime domiciliar, em São Paulo, confessou pagamento de propina de R$ 20 milhões da empreiteira nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O valor teria como destino o PMDB e agentes públicos da estatal.
"Adhemar Palocci Filho, 'vulgo Paloccinho', irmão de Antonio Palocci Filho, teria algum envolvimento com o recebimento das propinas", contou Avancini, num dos termos de sua delação premiada que estava em sigilo, anexado nesta quarta-feira, 24, aos autos da Lava Jato, em Curitiba.
Avancini apontou o nome de outro executivo da Camargo Corrêa, Luiz Carlos Martins, como a pessoa "que poderia fornecer mais detalhes acerca da participação dessa pessoa" e do operador de propina do PMDB. O ex-presidente contou não ter "conhecimento acerca do envolvimento de Antonio Palocci Filho". O ex-ministro é alvo de um inquérito da Lava Jato, pelo suposto pedido e recebimento de R$ 2 milhões em propina, em 2010.
O delator explicou que Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez entraram no projeto de Belo Monte como construtora e não como titulares da concessão. "Iniciou-se então a negociação para o ingressos dessas três empresas." Elas teriam que atuar em conjunto com o grupo formado para vencer o leilão de concessão de Belo Monte, que tinha entre elas a OAS e a Queiroz Galvão.
"Esse processo liderado pela Andrade Gutierrez, a qual foi alçada a essa condição pelo próprio governo", contou o ex-presidente da Camargo Corrêa. Ao todo, eram 10 empresas participantes dessa sociedade para execução das obras, segundo ele.
"Quando do ingresso da Camargo, Odebrecht e Andrade Gutierrez nesse consórcio construtivo, segundo informado por Luiz Camargo Martins, então diretor da área de Energia da Camargo, houve um compromisso de que haveria uma contribuição na ordem de 1% do valor do empreendimento para o PMDB."
A contribuição seria feita pelas empreiteiras de maneira proporcional a participação de cada uma na obra. "A Camargo detinha cerca de 15% da participação junto a obra o que resultaria em uma 'contribuição' na ordem de R$ 20 milhões o que deveria ser pago ao longo do empreendimento".
"Os fatos acerca do empreendimento lhe foram relatados por Luiz Carlos Martins, diretor de Energia e por Marcelo Sturlini Bisordi vice-presidente".
O interlocutor do então diretor de Energia da Camargo Corrêa seria Flávio David Barra, da Andrade Gutierrez. O nome do executivo surge pela primeira vez nos autos da Lava Jato.
Os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, Marcelo Bahia Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo, foram presos na sexta-feira, 19, junto com outros 10 alvos, na 14ª fase da Lava Jato, batizada de Operação Erga Omnès.
Um dos executivos presos na Operação Juízo Final, 7ª fase da Lava Jato, em novembro de 2014, Avancini diz que assumiu a presidência da Camargo Corrêa em 2011 e que os estudos para Belo Monte começaram anos antes. Avancini afirmou que o pagamento da propina, que ele chama de "contribuições" era responsabilidade de cada empresa.
"Acredita que não havia uma contabilidade exata (da propina), presumindo tenha ocorrido uma certa negociação, nos mesmos moldes do que era feito por Eduardo Leite (executivo da Camargo, delator da Lava Jato) em relação a Julio Camargo." Os dois são réus no esquema de corrupção e cartel na Petrobrás.
Lição
Ex-presidente da empreiteira, ele disse que havia interesses no empreendimento de Belo Monte, que foi dividido em duas etapas: o leilão de concessão da da usina e a realização da obra.
"Nesse leilão, a Camargo participou de um consórcio com a Odebrecht existindo um outro consórcio em que a Andrade Gutierrez fazia parte sendo que os dois grupos se associaram com outras empresas, inclusive estatais", contou Avancini.
O executivo explicou que para o projeto foram formadas SPEs (sociedades de propósito específico), uma delas tinha a Camargo Corrêa como parceira da Odebrecht. "A partir do cálculo do investimento a ser implementado e a tarifa-tero estipulada pelo governo, verificou-se que o negócio não seria economicamente viável, resolvendo a SPE composta pela Camargo e pela Odebrecht em não participar do negócio."
Após o comunicado, Avancini disse que houve "uma reação por parte do governo, o qual tomou a iniciativa de formar um outro grupo para competir com aquele do qual fazia parte a Andrade Gutierrez". O executivo disse acreditar que a decisão governamental foi para "evitar questionamentos quanto a falta de competitividade".
"Tal iniciativa do governo soou estranha ao mercado, considerando se tratar de uma área bastante complexa de atuação, sendo reunidas a partir dessa iniciativa empresas de pequeno porte ou sem tradição no ramo de energia", afirmou Avancini. "Causou surpresa o fato de que essas empresas não tinham estudado adequadamente o projeto tal como a Camargo e a Odebrecht e mesmo assim se aventuraram nessa empreitada, que tinha um orlamento próximo aos R$ 18 bilhões."
Considerado um projeto mais complexo que a construção de refinarias, a obra da hidrelétrica foi vencida por essa nova SPE formada por empresas menores e duas maiores do cartel acusado de corrupção na Petrobrás, a OAS e a Queiroz Galvão.
"O grupo ( ) acabou oferecendo um desconto maior no leição e ganhou a concorrência de concessão, em detrimento do grupo da Andrade Gutierrez", explicou. "Essa circunstância causou também estranheza, diante da falta de estudos quanto a uma obra de porte gigantesco, surgindo a impressão de que o governo pretendia dar uma 'lição' em grandes empresas Camargo e Odebrecht."
O ex-vice-presidente contou que pouco tempo depois do resultado da concorrência "iniciaram-se tratativas por parte do governo (principal acionista da SPE) quanto a participação da Camargo, da Andrade Gutierrez e da Odebrecht na execução do projeto".
A Camargo Corrêa e a Eletronorte não responderam ao contato da reportagem até o fechamento desta matéria.
Defesa
O criminalista Ricardo Toledo, que representa o engenheiro Ademar Palocci, o Palocinho, irmão do ex-ministro da Fazenda no governo Lula, é taxativo: "Posso dizer que se trata de uma referência indireta, uma referência especulativa, com uso do condicional, atribuindo-se a informação a terceira pessoa (Luiz Carlos Martins). Ora ele (Dalton Avancini) diz que 'segundo Martins', ora diz que (Martins) 'possivelmente saberia dizer que Ademar Palocci poderia ter'. Enfim, fica tudo na base do talvez, do quem sabe. Trata-se de uma mera elucubração."
Ricardo Toledo ressalta que Ademar Palocci é funcionário de carreira, engenheiro eletricista, funcionário concursado que não ocupa cargo de confiança.
O advogado José Roberto Batochio disse que o depoimento de Dalton Avancini "demonstra, mais uma vez, que Antônio Palocci não tem nenhuma ligação com qualquer uma dessas empresas que estão sendo investigadas".
"Mais um delator (Avancini) que é duramente inquirido sobre Antônio Palocci, mais uma vez fica demonstrado que Antônio Palocci nada tem com todas essas denúncias", declarou Batochio.
O criminalista reafirmou que Antônio Palocci jamais solicitou "de quem quer que seja" dinheiro para a campanha da presidente Dilma Roussef, em 2010.
O Consórcio Construtor Belo Monte diz que não tem conhecimento de que seja objeto de citações de quaisquer dos investigados pela Operação Lava Jato, e refuta com veemência ilações irresponsáveis em relação às nossas ações.