Nos últimos dez anos, o Brasil perdoou R$ 176 bilhões em juros e multas de dívidas tributárias. Os devedores foram beneficiados por meio de nove programas de parcelamento de débitos com o Fisco nesse período. O valor é praticamente o mesmo do rombo nas contas da Previdência no ano passado.
O levantamento foi feito pela Receita Federal a pedido do Estadão/Broadcast. Esses programas, conhecidos pela sigla Refis, permitem que empresas refinanciem dívidas com descontos sobre juros, multas e encargos. Muitas vezes os juros são maiores que o débito original. Em troca, o governo recebe uma parcela da dívida adiantada, mas abre mão de uma parcela do que ganharia com juros e multas.
Só no ano passado, foram cinco Refis diferentes aprovados pelo Congresso, inclusive para a dívida de Estados e municípios. Nesta terça-feira, 9, o presidente vetou parte das condições do programa de parcelamento das dívidas do Funrural, contribuição paga pelos empregadores para ajudar a custear a aposentadoria dos trabalhadores. Temer vetou, por exemplo, o desconto de 100% que os parlamentares colocaram para as multas e manteve a proposta original de 25%. O presidente já tinha vetado, na semana passada, o Refis para micro e pequenas empresas, mas um acordo foi costurado para a derrubada do veto assim que o Congresso voltar do recesso.
As negociações desses programas se misturaram ao longo do ano passado com a busca de apoio do Planalto para derrubar as duas denúncias contra o presidente e aprovar a reforma da Previdência. Pelo levantamento da Receita, a maior renúncia foi dada no Refis da Crise, lançado em dezembro de 2008, depois que as empresas brasileiras foram atingidas pelo impacto da crise financeira internacional. A renúncia fiscal foi de R$ 60 bilhões. Esse foi o programa com maior adesão até agora, com participação de 886 mil empresas e pessoas físicas. O Refis da Crise foi reprisado depois com mais quatro reaberturas do prazo de adesão entre 2013 e 2014.
Origem. O apelido de Refis nasceu do nome do primeiro parcelamento especial, feito há 18 anos, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, o programa foi destinado somente a empresas. De lá para cá, já foram 39 programas, segundo a Receita, inclusive para bancos e clubes de futebol.
Para o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, os sucessivos Refis são consequência de uma cultura de litígio que motiva os contribuintes a questionarem os débitos na Justiça. "O sujeito, ciente de que o sistema de cobrança é muito falho, passa a ser um devedor e um litigante contumaz", diz. "Entre um contribuinte que paga os tributos em dia e outro que logra êxito nesses parcelamentos, o último sai com vantagem competitiva. O primeiro, então, não vê nenhuma vantagem em ser um bom contribuinte."
O Fisco calcula uma perda anual de R$ 18,6 bilhões de arrecadação decorrente de contribuintes que deixam de pagar suas obrigações tributárias à espera de um novo parcelamento. Para o secretário da Receita, Jorge Rachid, o grande número de parcelamentos provoca esse quebra da arrecadação futura. Segundo Rachid, há casos de mesmas empresas terem participado de até cinco parcelamentos. "O Fisco acaba recebendo mais no ano (com os pagamentos à vista), mas o que está fazendo é abrindo mão de arrecadação no ano seguinte. E o contribuinte apostando que no seguinte ele vai poder deixar de pagar."
Estudo da OCDE sobre parcelamentos em 26 países mostrou que na maioria deles o período máximo de parcelamento é de 12 ou de 24 meses. Só em casos especiais, esse prazo é alongado. E nesses casos é exigida garantia. Não são conhecidos parcelamentos em prazos tão alongados como os brasileiros, que variam de 60 até 240 meses. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.