Brasil

Depois de enchente, cidade tenta recomeçar do zero

24 jun 2010 às 09:06

Pouca coisa ficou de pé na cidade de Branquinha, na zona da mata de Alagoas. As imagens de prédios no chão ou prestes a desmoronar lembram em muito o cenário deixado por bombardeios ou furacões.

A estrada de ferro também ajuda a demonstrar a força devastadora do rio Mundaú quando transborda: as águas arrancaram os trilhos do chão e retorceram o metal como se fosse plástico.


A impressão que se tem ao conversar com os moradores é de que tudo vai ter que recomeçar do zero. A ideia de reconstruir a cidade em outro ponto mais alto – e mais distante do rio – está entre as que mais agrada a população.


O projeto também conta com a forte simpatia da prefeita Renata Moraes que disse que vai conversar com o Governo Federal sobre o uso de terras no entorno do município, muitas das quais pertencem a usineiros ou são destinadas à reforma agrária.


Mas isso tudo vai ter de ficar para depois de a emergência passar.


"Agora o que mais precisamos aqui é de organização. Temos que colocar a cidade em ordem para que depois possamos pensar em recomeçar tudo", disse a prefeita, em frente à sua casa repleta de cestas básicas doadas por particulares ou enviadas pelo governo para a população necessitada.


Sem prédios públicos
A comida teve que ficar na casa da prefeita – que também vêm funcionando provisoriamente como sede municipal – porque nenhum prédio público da cidade resistiu à enxurrada: o telhado da escola ruiu, as paredes do posto de saúde desabaram, a biblioteca foi arrastada e o cartório e a prefeitura foram destruídos junto com todos os documentos que havia dentro do prédio.


"Estamos cavando aqui onde era minha casa pra ver se achamos os documentos da minha mãe. A enchente matou meu pai e agora pra pedir pensão minha mãe precisa da papelada dela", disse a moradora Ana Paula Silva. "E como o cartório foi destruído não sei o que vamos fazer se não conseguirmos achar os documentos."


Ana Paula diz que nunca vai esquecer da noite em que viu sua cidade se encher de água e seu pai ser arrastado. Ela conta que quando o rio começou a subir ela foi com a mãe e os irmãos para um ponto mais alto enquanto o pai decidiu ficar na parte baixa da cidade, em cima da laje da rodoviária municipal, para vigiar a casa deles.


"Lá de cima do mirante a gente só via a luzinha do celular que ele usava como lanterna. De repente o prédio da rodoviária começou a ceder com ele em cima e a gente só ouvia meu pai gritando por ajuda", contou.


"E a noite não passava e no escuro a gente só via água pra onde olhávamos. Eram ondas enormes vindo de um jeito que eu nunca tinha visto na minha vida."


Três dias depois do desaparecimento do pai de Ana Paula, o corpo dele foi encontrado rio abaixo. A família ainda encontrou algum conforto em poder fazer um funeral do parente.


"Nem quero imaginar como estão as pessoas que tem parentes desaparecidos. Deve ser a pior coisa", disse Ana Paula.


Desaparecidos


E são muitas as pessoas ainda não localizadas depois da chuva. Os números são extremamente imprecisos – há comunidades isoladas onde as autoridades ainda nem chegaram – mas há relatos de mais de 600 pessoas não localizadas.


Os moradores de Branquinha torcem para que o constante cheiro podre que toma conta do ar seja apenas do esgoto que corre a céu aberto e do lixo abandonado. Mas sabem que também pode haver corpos ainda não encontrados sob os escombros da cidade.


O trabalho de limpeza da área já começou com diversos tratores e caminhões enviados pelo governo do Estado. E, enquanto as máquinas trabalham, centenas de pessoas circulam pelo entulho procurando recuperar alguma coisa. Raramente conseguem.


"Achei umas cadeiras e uma mesa, mas estava já tudo completamente estragado. Não consegui aproveitar nada nada das minhas coisas", conta o agricultor Heleno Tavares.


Mas história dele é mais complicada: no ano 2000 quando o rio Mundaú também transbordou, embora com menos intensidade, a casa em que ele morava foi inundada. Tavares se mudou para uma casa um pouco mais distante do rio mas ainda nos baixos da cidade.


Na semana passada quando viu a água começando a subir ficou com medo e aceitou o convite da uma amiga para guardar as coisas dele na casa dela, ainda mais distante do rio.

"Ela me disse que na casa dela nunca entrava água. Mas dessa vez entrou e a casa dela desabou ainda antes da minha. Perdi tudo mais uma vez."


Continue lendo