Foi com a regravação de um sucesso dos anos 1980, "Escrito nas Estrelas", que Lauana Prado conquistou o topo das paradas do Spotify no Brasil por duas semanas e dominou as rádios no primeiro semestre deste ano, ao lado de nomes superlativos como o de Gusttavo Lima.
Leia mais:
Combustíveis fósseis recebem 82% dos subsídios no Brasil, mostra estudo
Queixas contra planos de saúde quase quadruplicam em cinco anos
Tabela de pagamento do tigrinho mostra prêmio máximo em uma a cada 40 mi de apostas; entenda
Mais de 800 mil podem perder o BPC por falta de atualização do cadastro
A artista goiana substituiu o timbre agudo de Tetê Espíndola, autora da versão original, pela voz rasgada e grave que é uma de suas principais características, numa estratégia que espelha, de certa forma, sua própria carreira, iniciada em 2012, quando foi semifinalista do primeiro The Voice Brasil, da TV Globo.
Prado, afinal, tem se pautado por resgatar a tradição, regravando não só "Escrito nas Estrelas" como uma série de clássicos do cancioneiro brasileiro, mas sem se prender ao passado, rompendo com estereótipos do sertanejo.
Num gênero hoje sem nenhuma figura de sucesso que não seja heterossexual –ao menos publicamente–, ela diz que contrariou recomendações dos profissionais com quem trabalhava e preferiu contar ao público que é bissexual e que não faz parte da ala conservadora.
A artista de 35 anos mantém relacionamentos com mulheres em frente às câmeras e, nas últimas eleições, há dois anos, declarou apoio a Lula e criticou Jair Bolsonaro, indo contra a maioria dos colegas do sertanejo –em sua maioria a favor do ex-presidente.
"Sofri resistência, ouvi que não ia tocar mais em tal festa. Mas, como cidadã e uma mulher que é mais do que uma artista, senti que tinha o direito de me expressar", ela afirma, em entrevista por videoconferência, de sua casa no interior paulista. "É gostoso sentir que não escondo nada do público."
Prado diz que não teve prejuízos financeiros. Ela está, por exemplo, entre os escalados para abrir a Festa do Peão de Barretos, o templo do sertanejo, no interior paulista, em agosto. O evento tem a tradição de receber a visita de políticos conservadores, como Bolsonaro, que são exaltados pela maior parte do público ali.
"Tem artistas que são parceiros de vida, frequentam a minha casa, mas levantam bandeiras diferentes. E está tudo bem. A maioria dos contratantes conseguiu entender isso", diz Prado. "Os mais intolerantes saíram perdendo, porque eu atraio público. Precisamos ter maturidade para não ofender ninguém ou tornar isso uma guerra, até porque nada pode chamar mais a atenção do que a música."
Sua discografia reflete isso. Para o novo álbum, "Transcende", que está sendo lançado por etapas desde junho, Prado fez parceria com nomes de diversas inclinações políticas, de Nando Reis, notadamente alinhado à esquerda, à dupla Zé Neto e Cristiano, que há dois anos se viu no centro de uma polêmica sobre cachês pagos a sertanejos por prefeituras depois de criticarem Anitta e a Lei Rouanet.
O nome de seu novo álbum, diz Prado, vem da ideia de transcender as barreiras do sertanejo e unir figuras diferentes. A gravação do projeto, que aconteceu no ginásio do Ibirapuera, na capital paulista, contou ainda com a presença de Simone Mendes, e da dupla Cristinas, formada por duas mulheres que ela conheceu num de seus shows e decidiu empresariar.
Prado não se diz parte do chamado "queernejo", uma vertente do sertanejo que surgiu quase uma década depois de ela começar a cantar para reunir artistas da comunidade LGBTQIA . O subgênero, que tem como seu principal expoente Gabeu, filho de Solimões, da dupla com Rionegro, tem dificuldade de estourar a bolha queer, por não ter investimento de gravadoras ou patrocínio de marcas.
Isso não quer dizer, no entanto, que a música camufle sua bissexualidade. Exemplo disso é "Pegada Fraca", faixa lançada há cerca de dois anos, que ela dedica tanto a homens quanto a mulheres. "Essa vai para todos os meus ex e para todas as minhas ex", canta.
Mas a sertaneja diz que sempre rejeitou a ideia de sua vida amorosa pautar sua carreira, ainda que possa despertar curiosidade do público. É uma escolha rara num momento em que o identitarismo se tornou um elemento central no mercado do entretenimento. "Já sofri preconceito, mas, à medida que você mostra seu trabalho, ele vai caindo por terra. Meu maior trunfo é minha música, e não quem eu sou", ela afirma.
Prado, que começou a carreira empresariada por Fernando Zor, da dupla Fernando e Sorocaba, estreou no topo das paradas com "Cobaia", lançada há cerca de cinco anos com Maiara e Maraísa.
Os versos carregados de sofrência –"quando for beijar alguém/ testa esse beijo em mim"– a aproximam do maior nome do feminejo, Marília Mendonça. Mas, em algumas das faixas de "Transcende", é notável que agora ela quer ir além do sofrimento. Para isso, a cantora dobrou a aposta na voltagem sexual dos romances conflituosos que canta, como em "Horizontal", na qual diz não haver problema em sair só para transar.
Prado ainda destaca as faixas "Modo Homem", sobre "uma mulher que se decepcionou e agora não se envolve mais emocionalmente com as pessoas com quem se relaciona", e "Sombra Desconhecida", a primeira que lançou.
"Essa conta a história de alguém que terminou, mas volta à porta da casa do ex e fica em dúvida se a pessoa está seguindo em frente, transando, ou sofrendo para voltar", diz ela, que também passou por um término, no fim do ano, ao romper com a influenciadora Verônica Schulz.
Sua voz, no entanto, é o que realmente a diferencia das outras mulheres do sertanejo, afirma Eduardo Pepato, um dos produtores mais requisitados do sertanejo, que assina a produção do trabalho.
"A gente usou muito violão, acordeão, sanfona, instrumentos que dão a sensação de acústico", diz ele. "Não tinha mulheres com essa voz no mercado, com esse 'drive', que é como chamamos a voz rasgada. Ela nem precisa dizer seu nome no início das músicas, como muitos artistas fazem. Sua voz é inconfundível."