A Corte Interamericana de Direitos Humanos começa a julgar nesta quarta-feira (24) o caso da morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado por agentes da ditadura brasileira em outubro de 1975. A audiência será transmitida pela internet a partir do meio-dia (horário de Brasília)
A expectativa da família é que uma sentença aponte a responsabilidade do Estado brasileiro por fatos relacionados à morte de Herzog e a apuração no âmbito penal da prisão arbitrária, tortura e morte do jornalista. Até hoje nenhum dos envolvidos no crime foi punido.
"Talvez a maior importância nessa futura sentença seja provocar uma mudança de cultura no Brasil e responsabilizar o Estado pelos crimes que comete. O que aconteceu com meu pai, há mais de 40 anos, a tortura e o assassinato por agentes do Estado, acontece até hoje", afirmou Ivo Herzog, filho do jornalista assassinado e diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog em entrevista à Agência Brasil.
A audiência será realizada em San José, na Costa Rica. A primeira pessoa a falar será Clarice Herzog, casada com o jornalista na época do assassinato e atual presidente do Instituto Vladimir Herzog. Como testemunhas da família, foram escalados os procuradores da República Marlon Weichert - que solicitou investigação sobre o caso na Justiça Federal - e Sérgio Suiama.
Ao final, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), que representa a vítima e seus parentes, fará uma apresentação geral do caso Herzog que será seguida pela defesa do Estado brasileiro. O Cejil pede que a Lei de Anistia não seja um obstáculo para investigação, julgamento e responsabilização dos crimes cometidos na ditadura.
Diretora do Programa do Cejil para o Brasil, Beatriz Affonso, está na Costa Rica e espera que a Corte considere crime contra a humanidade a ausência de responsabilização pelas violações sofridas no caso Herzog.
"A gente espera que a sentença da Corte possa trazer uma determinação para o Estado brasileiro que venha a reinterpretar a Lei de Anistia, para que a lei e a prescrição [dos crimes] não sejam mais um obstáculo para investigar, processar e punir os agentes da ditadura", afirmou.
Ela espera também um pronunciamento da Corte sobre a gravidade da existência até os dias atuais do crime de tortura sem responsabilização de agentes do Estado assim como as ameaças e execuções de jornalistas no trabalho cotidiano de denúncia de temas de interesse público.
Defesa
Para defender o Estado brasileiro na audiência estarão representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), do Itamaraty, Ministério da Defesa e Ministério dos Direitos Humanos. "Como o Brasil reconheceu a competência da Corte apenas para acontecimentos posteriores a 10 de dezembro de 1998, os fatos que são objeto de julgamento pelo Tribunal Internacional estão sujeitos a essa delimitação temporal", afirmou a AGU por meio de nota.
Corte Interamericana
O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) encaminhou em julho de 2009 uma petição sobre o caso Vladimir Herzog para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em janeiro daquele ano, a Justiça Federal brasileira acolheu o pedido de arquivamento do caso e defendeu que os crimes praticados pelos agentes da ditadura militar estariam prescritos.
Em outubro de 2015, a comissão concluiu em relatório que o Estado brasileiro é "responsável pelas violações aos direitos à vida, à liberdade e à integridade pessoal de Herzog e também pela privação de seus direitos à liberdade de expressão e de associação por razões políticas". No texto, a comissão recomendou ao Estado brasileiro a investigação da tortura e morte de Herzog e a identificação dos responsáveis. Em abril de 2016, a CIDH apresentou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, devido ao descumprimento das recomendações feitas pela comissão por parte do Estado brasileiro.
Herzog
Diretor do telejornal Hora da Notícia, veiculado pela TV Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog foi morto sob tortura pelos militares após ser detido nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/CODI). Ele deixou a esposa Clarice, com os dois filhos do casal, Ivo e André, na época com 9 e 7 anos, respectivamente.
A comoção causada pelo assassinato do jornalista, no dia 25 de outubro de 1975, reaglutinou diversos setores da sociedade e provocou a primeira reação popular contra os excessos do regime militar.
Seis dias após sua morte, um ato ecumênico realizado na Catedral da Sé foi celebrado pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor James Wright. O evento reuniu milhares de pessoas que enfrentaram o cerco militar para homenagear o jornalista, em um protesto contra a ditadura militar.
Circunstâncias da morte
Divulgada como suicídio em comunicado do II Exército com a utilização de uma foto forjada na ocasião, a circunstância da morte de Vladimir Herzog - também mantida pelo Inquérito Policial Militar (IPM) realizado naquele ano - foi desmontada.
Com uma ação declaratória apresentada no ano seguinte à Justiça Federal em São Paulo, Clarice Herzog conseguiu, em outubro de 1978, a condenação da União pela prisão arbitrária, tortura e morte de Herzog. Na sentença, o juiz Márcio José de Moraes declarou que o jornalista foi morto devido a graves torturas.
Em 2013, como parte dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a família conseguiu a retificação do atestado de óbito no qual consta que a morte do jornalista se deu em função de "lesões e maus tratos sofridos durante os interrogatórios em dependência do II Exército (DOI-CODI)".
O relatório final da comissão afirma "não existir mais qualquer dúvida acerca das circunstâncias da morte de Vladimir Herzog, detido ilegalmente, torturado e assassinado por agentes do Estado nas dependências do DOI-CODI do II Exército, em São Paulo, em outubro de 1975"
Biografia
Vlado Herzog nasceu em Osijek na Iugoslávia em 27 de junho de 1937 e se mudou para o Brasil com a família para fugir da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Naturalizado brasileiro, mudou seu nome para Vladimir.
Se formou em filosofia pela Universidade de São Paulo em 1959 e desde então exerceu a atividade jornalística em diferentes veículos de imprensa. Iniciou sua carreira como repórter do jornal O Estado de S. Paulo e ao longo da carreira atuou como jornalista na revista Visão, na BBC e TV Cultura.
Já durante a ditadura militar, se mudou para Londres em 1965 como contratado da BBC. Retornou ao Brasil em 1968 onde trabalhou como editor da revista Visão. Trabalhou na TV Cultura de São Paulo de 1972 até a data de sua morte.