"Desta vez, não foram galos nem o azan que a despertaram, mas o som de algo pesado sendo arrastado. Ouviu um ruído metálico. De repente, o quarto foi inundado pela luz. Seus olhos se estreitaram, recusando-se àquela claridade. Laila ergueu a cabeça, cerrou os olhos, protegendo-os com a mão. Pelas frestas entre seus dedos, viu um vulto alto e embaçado parado num retângulo de luz. O vulto se moveu. Agora, uma forma se agachava ao seu lado, se inclinava sobre ela e uma voz soou perto de seu ouvido.
- Faça isso novamente e vou atrás de você. Juro pelo nome do Profeta que vou atrás de você. E, quando conseguir encontrá-la, não há tribunal nesse bendito país que vá me condenar pelo que eu fizer. Primeiro, Mariam, depois, ela, e finalmente você. Vai ter que assistir a tudo! Está me entendendo? A tudo!
E dizendo isso, saiu do quarto. Não sem, antes, lhe dar um chute nas costas que a deixou urinando sangue por vários dias."
A Cidade do Sol é um livro impressionante. E chocante! Para nós, que vivemos numa sociedade livre, é difícil imaginar como uma pessoa pode sobreviver sob o regime do talibã. Numa sociedade onde mulheres são míseras peças nas mãos dos homens, que servem apenas para reprodução e trabalhos domésticos. Ser mulher nesse regime significa não ter dignidade. Não ter vida própria. Para quem não conhece essas leis, eis um trecho do texto: "Atenção mulheres: Vocês deverão permanecer em casa. [...] A mulher que for apanhada na rua sozinha será espancada e mandada de volta para casa. Vocês não deverão mostrar o rosto em circunstância alguma. [...] Estão proibidos os cosméticos, as jóias. Vocês não deverão usar roupas atraentes. Não deverão olhar um homem nos olhos. Não deverão rir em público. A mulher que fizer isso será espancada. Não deverão pintar as unhas. A mulher que fizer isso perderá um dedo. As meninas estão proibidas de frequentar a escola. As mulheres estão proibidas de trabalhar. A mulher que for culpada de adultério será apedrejada até a morte".
O talibã também é severo com homens e crianças. Mas, dei destaque a essa parte porque este livro conta a história de duas jovens, Laila e Mariam, e só depois de ler é que você começa a entender o que significava ser mulher, há menos de 15 anos, no Afeganistão. Khaled Hosseini cria um enredo tão envolvente e verdadeiro que você sofre junto com as personagens.
Mariam e Laila são mulheres muito diferentes. A primeira é filha bastarda de um homem rico. Quando sua mãe morre ela é dada em casamento a um sapateiro, de 45 anos. Mariam tinha apenas 15, na época. Laila é filha de um professor que sempre a apoiou. Um pai amoroso, que quer que a filha estude, trabalhe e seja alguém. Contra todas as expectativas, essas duas mulheres tão diferentes têm seus destinos cruzados, e acabam se unindo para enfrentar a humilhação, o medo e a angústia que cerca todas as almas femininas que habitam naquele país.
Essa é uma história forte, marcante. O autor consegue dar vida àquelas mulheres a ponto de fazer você ficar indignado por elas. Querer lutar por elas. Se revoltar contra aquela sociedade e se lamentar por todas as outras que são obrigadas a viver assim. O livro é excelente e merece a fama que conquistou no mundo todo.
Khaled Hosseini é afegão, autor do também aclamado "O Caçador de Pipas" e provou, com "A Cidade do Sol", que é um escritor que tem vida longa na literatura mundial.