No quarto do apartamento, decorado tão discretamente como cabe a um bancário, César começa a tirar roupas de dentro do armário. É um ritual lento, de rememorar presentes, datas, situações. Só depois de cada uma das peças serem retiradas de dentro do lado esquerdo do guarda-roupa, ele começa a dobrar peça por peça. Chora, ao ver o pijama e as cuecas que ganhou no último dia dos namorados. Coloca as roupas em uma, duas, três, quatro malas. Tenta se apressar para evitar um encontro com Marcelo. Do criado mudo, retira a fotografia do porta-retrato. Era o registro da única viagem internacional que fizeram, Paris, um sonho realizado. Malas prontas, bem afiveladas, leva-as até a sala. Na estante, mais fotos com Marcelo no Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador. É impossível conter as lágrimas. Ao lado do telefone, o bloco de papel verde acolheu o último e lacônico recado: adeus.
Algum tempo depois, fim de tarde, Dalva espera César na saída do Banco. Eles se encontram, ele usa uma camisa azul claro com gravata listrada, beijam-se suavemente e saem caminhando. Muito próximo, entram numa joalheria. São atendidos por uma bela moça de coque no cabelo e roupa sóbria. Sentam-se em frente a uma mesa de madeira escura. A vendedora traz um mostruário de alianças. Selma pega uma, coloca no dedo, estica o braço, olha para as mãos, olha para César, os dois sorriem.
Foi o primeiro encontro entre as duas famílias, ambas tementes a Deus e servas na mesma igreja. A casa de Dalva, discretamente bem montada, ficava num sobrado e da rua podia-se ver o movimento na sala. Umas dez pessoas reunidas para celebrar o compromisso do casal. As mães dos noivos trocavam falsas intimidades, como convém num momento como este. Relembravam peraltices de Dalva e César, uma revelava manias dos dois, certas de que o casamento e a benção divina abrandaria quaisquer diferenças. Dalva evitou o penteado rabo de cavalo e ousou ostentar um coque trançado bem pomposo. Não descoloriu, nem se desfez do buço. César era o verdadeiro filho de Deus no terno preto, camisa branca e uma gravata listrada de azul. De mãos dadas e sentados no sofá de dois lugares, trocam carinhos e sorriem de felicidade. Antes que a mãe de César começasse a contar mais uma traquinagem do filho, o convescote é interrompido por uma voz forte e solene: boa noite.