O corpo era velho e nada que se pudesse fazer sobre isso. Mas o homem vinha. Às vezes cansados, rostos duros, olhar restos e sem-cerimônia. Não havia notícia de sorrisos genuínos. O ambiente abandonados perfumes cheiros daqueles que se esquece fácil. A parede pode ser pra sempre fria. Desconhecida ameaça, deixara o tempo sagrar sulcos e irrelevâncias, rezar nas conversações sem sentido. O corpo dela era velho e sequer pressentimentos. Olhava a pele sem adjetivos próprios não pensava em nada. O homem vinha. Às vezes diligentes, o esforço para tramar maravilhas. Havia notícia de espasmos. Para ela os ecos. Focalizava detalhes do quadro na parede um dia rosa. Nunca lhe pediram troco. Acariciava a pele descrente. O que sabe sobre si: vende fatias. E nada que pudesse pensar sobre isto, mover pedras, rolar pedras, esquecidos constrangimentos postos no fundo de um rio. Vende às vezes traças quase invisíveis aderem criteriosamente aos corpos que ali se deitam. Leito. O corpo dela era único e frestas sem filosofia. Ciência de desconsiderar o tangente e o irregressível. Olhos alheios e nada a falar sobre isso. Nenhum registro de paixões impagáveis no passado, nenhum bilhete desdizendo amores. Apenas assistia à flexão dos verbos. Corpo ser todo dia. Era pública. Manejando a faca silenciosa o enredo leiloava retalhos fantasiados de delícia. Sábia pantomima. O homem vinha. Desfiavam asperezas, frases mal-ajambradas. Mas não se sabe de vezes em que se tenha pensado em esquivas. Acariciava peles fossem cavalos bicho qualquer eram sempre um. O corpo envelhecera e ela pensou no preço. Talvez existissem mesmo pressa e o tempo inextenso. A alvorada é sempre na mesma janela. Agora pensou no vinho que envelhece. É sempre solitário o que existe dentro dela. É sempre desacompanhada a certeza de que às vezes vira o que quer que fosse próximo e belo. Ensaio sobre tocar o sem cabimento. Desapego e tudo-nada. Mas o homem vinha. Esqueciam flores, frases sem sujeito ela pensou talvez em pedras. Não há notícia de pretéritos que ela se inaugurava toda vez que a porta abria. Vende o mesmo olhar insuspeito velho e escura escuridão fundo do rio. Vê as flores na colcha, vê as flores no azulejo, vê as flores sobre seu corpo. Pensa: um desses dias qualquer. Mas não hoje.
O homem vinha.
Do livro: Acasos pensados. Lançamento pela Kafka Edições. Publicado no site:
http://kafkaedicoes.com.br/catalogo.asp?edit=1
Luci Collin nasceu em Curitiba, em 1964. Graduada no Curso Superior de Piano, em Letras e no Curso Superior de Percussão Clássica. Doutora em Letras pela USP. Recebeu premiações em concursos de literatura no Brasil e EUA. Participou de antologias nacionais Geração 90 – Os Transgressores [2002] e 25 Mulheres que estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira [2004], e internacionais [EUA, Alemanha, Uruguai e Argentina]. Leciona Literaturas de Língua Inglesa e Tradução Literária na UFPR. Publicou os livros de poesia Estarrecer [1984], Espelhar [1991], Esvazio [1991], Ondas e Azuis [1992], Poesia Reunida [1996], Todo Implícito [1998] e os de contos Lição Invisível [1997], Precioso Impreciso [2001], Inescritos [2004] e Vozes num Divertimento [2008]. Como tradutora, publicou Re-habitar - Ensaios e poemas, de Gary Snyder [2005], Etnopoesia no Milênio, de Jerome Rothenberg [2006] e Contos Irlandeses do Início do Século XX [2007].