Domingo passado, sob tênue chuva, sob ramos e sob tênues versos, ocorreu a reabertura da saudosa Feira do Poeta de Curitiba. Participei da feira nos anos 90 e tenho muitos folhetos tipografados com meus poemas juvenis.
Escrevo este artigo admonitório no intuito de colaborar com a Fundação Cultural de Curitiba para o aumento não, necessariamente, de escritores, mas da qualidade dos escritos.
Há uma série norte-americana bastante famosa, chamada "Walking Dead".
Nesta série, pessoas morrem e tornam a viver, mas nunca mais voltam a ser o que eram. Tornam-se miseráveis zumbis, escravos de uma morte-vida severina(?). Meu receio é de que a Feira do Poeta se torne um "Walking Dead" curitibano. Um arremedo pós-apocalíptico "revival" do que foi, um dia, a Feira do Poeta de Curitiba.
A reinauguração aumentou o meu receio. Ela teve um gosto rançoso e um cheiro cadavérico. A impressão que tive foi de que se celebrava o passado "leminskiado", "pradado", "kolodylico" e não o futuro da poesia curitibana. Como ressaltou o Secretário da Cultura Marcos Cordiolli, a feira, embora tenha glorioso passado, precisa estar voltada para o futuro da indelével vocação curitibana para a poesia.
Algumas declamações, feitas durante o evento, foram diagnósticas e o diagnóstico foi pouco animador: alguns ainda pensam que poesia precisa ter sentimentalismo, rima (pobre), tédio, título e, pior, alguns creem que qualquer coisa que se escreva com "boa intenção" e de "coração" deve ser considerada poesia e deve ser aplaudida. Alto lá! Se começarmos a aplaudir a mediocridade, ela se torna meritocrática e sepultamos a qualidade da poesia brasileira.
O Secretário da Cultura afirmou, durante a reabertura: "Que todos aqui se encontrem para fazer o que mais sabem: alimentar a nossa alma". Pegando carona na fala de Cordiolli, lembro de que, na série "Walking Dead", os zumbis andavam em busca de cérebros, para se alimentarem. Espero que a Feira do Poeta não alimente zumbis com cérebros do passado, mas alimente almas e cérebros vivos e vívidos que são o presente e o futuro da poesia curitibana. Para isso só há uma saída: a formação de leitores críticos de poesia. Essa formação só pode ser feita por quem, além de produzir poemas de qualidade, tenha capacidade crítico-acadêmica para avaliar as produções e tenha experiência comprovada na formação de leitores de literatura.
Não adianta promover saraus populares, imprimir qualquer coisa e chamar de poesia. Isso não melhorará a qualidade das produções. A ideia do Sarau Popular é boa, mas é mais motivacional do que formativa.
Se o digníssimo Secretário da Cultura, sempre muito ativo e inventivo, cair na perniciosa tentação de ouvir exclusivamente asseclas que acham que entendem de poesia e fechar a alma e o cérebro para um trabalho realmente sério, estará condenando a poesia curitibana. Conhecendo seu trabalho e sua seriedade, tenho certeza de que o senhor Marcos Cordiolli não deixará a mediocridade como herança de sua gestão.
Viva a Feira do Poeta Viva! Viva a poesia curitibana de qualidade!
PS: Me refiro ao senhor Marcos Cordiolli como Secretário da Cultura, por entender que Cultura merece uma Secretaria. Isso equivale a mais verba e mais verbo.
* Robson Luiz Rodrigues de Lima
Curitibano, Professor de Língua Portuguesa, Literatura, Leitura de Múltiplas Linguagens e um estudioso da poesia paranaense. Autor de livros didáticos, consultor educacional, assessor pedagógico nas áreas de Linguagens e Comunicação, palestrante em todo o território nacional, poeta, músico, declamador, ator, transador de palavras, amante dos versos, artes e artemanhas.
Contato: www.facebook.com/professorrobsonlima
e-mail: [email protected]
(Essa crítica literária foi publicada em 31/03/2015 na coluna Aroldo Murá, do Jornal Indústria e Comércio - A publicação neste blog foi autorizado pelo autor, professor Robson Lima).
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