METAMORFOSE
e, tentando queixar-se, emitiu um mugido,
e ficou aterrada ao som da própria boca.
(Ovídio – Metamorfoses, livro I.)
cidade vazia
silêncio
persigo um novilho
silêncio
afio a navalha
faísca
ó
noite sem olhos
assist
a
no vale do asfalto
sem luz
indago o novilho
- Jesus?
olhares alhures
a rês
tem olhos humanos
talvez
olhou-me de baixo
do alto
riscou o seu casco
no asfalto
marcou o seu nome
no chão
novilho: meu pai, meu
irmão
me lanço ao bezerro
abraço
imploro o perdão
escaço
me vejo cercado
rebanhos
milhares de olhares
estranhos
navalhas incêndio
silêncio
cidade vazia
CAMPINA DE VIDRO II
alguns acreditam que Curitiba
é algo de Helena Kolody
Emiliano Perneta
Bento Mossurunga
ainda que no mapa
ela se estenda
por campinas de barracos
em rios suburbanos
(esgoto exposto é Curitiba
a contragosto)
alguns acreditam que em Curitiba
nunca se derramou uma gota de sangue
**
o mecânico recuou assombrado
diante do que escorreu da torneira
a dona de casa manchou a louça
com o mesmo líquido colorido
represas regadas
com sangue humano
nem mesmo a caixa d'água
do condomínio
escapou da maldição
a seca duraria mais de um ano
***
uma grande nuvem
se formou sobre Curitiba
todos correram
para as ruas
com panelas, bacias
latas e garrafas e tudo que podiam
o prefeito anunciou na TV
o alívio chegaria, enfim
mas uma intensa chuva negra
cobriu de luto todas as luzes de natal
****
nossos monumentos
continuam nus na escuridão
marchando sobre a campina sem saber
quando o vidro se romperá
e toda Curitiba escorrerá
pelo ralo, o halo, o ânus do mundo
Thomas Brenner
Nasceu em março de 1982 (Curitiba/PR). Publicou o livro Desaforos, aforismos & outros foras (Editora Penalux, 2013) e a plaquete Ressurreição (Editora Primata, 2021) – ambos de poemas.
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