Falando de Literatura

Homero Gomes e a Solidão de Caronte

23 dez 2014 às 09:44


Existe uma ligação profunda entre o escritor e sua obra. Ícone dessa ligação é a resposta de Flaubert quando foi questionado sobre a identidade de Madame Bovary – ele falou: "Madame Bovary sou eu".

Essa breve resposta já foi citada muitas vezes para ilustrar o fato do laço que une o autor e sua obra. E não é diferente com os poetas. Artífices da palavra os poetas encantam com a escrita hermética que precisa de um leitor sensível para decodificar não só ideias, mas situações, sentimentos, sensações, o mundo que está submerso sob as águas profundas do inconsciente. A subjetividade do autor modela o poema, como um oleiro modela as formas de barro. Esse processo é considerado a busca da própria voz, do próprio estilo, talvez seja a busca da própria alma.


E não poderia ser diferente com Homero Gomes. O jovem autor de "A Solidão de Caronte" e de "Sísifo desatento". Homero Gomes é um jovem poeta que já tem estilo e densidade poética, e está escrevendo seu destino como todos os seres humanos escrevem suas vidas: com suas escolhas. No momento, ele escolheu silenciar. Talvez por um tempo, talvez esteja fazendo um balanço ou retomando o fôlego.


É possível que ao ler "A Solidão de Caronte" o leitor pense que é a mesma solidão de Homero Gomes.


Em um mundo literário árido e polifacetado, onde os poetas proliferam, onde alguém declara que escreve até 30 poemas em um dia. Nesse mundo de superficialidade e incoerências surgem também poetas sérios que lapidam suas obras e oferecem seus poemas não como pães, mas como joias caras. Os poetas podem ser comparados aos ourives - ambos precisam de conhecimento, talento e paciência.


Homero é considerado um jovem e talentoso poeta. Em 2007, foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura. Em 2014, o livro "A Solidão de Caronte", editora Patua, foi inscrito no Concurso Poetizar o Mundo. Um concurso que eu tenho a honra de organizar há alguns anos. Homero Gomes conquistou o primeiro lugar, e com certeza ele merece vencer outros concursos. Merece reconhecimento.


Lamentavelmente, sabemos que reconhecimento nem sempre chega na hora certa. Temos tantos exemplos: Lima Barreto, considerado pobre e alcoólatra, só obteve sucesso póstumo; Herman Melville, autor de "Mobi Dick", escritor quase esquecido na velhice, o genial Kafka, viveu na pobreza. Entre os artistas plásticos Van Gogh é um triste exemplo.


Eu sei que esses exemplos não são muito encorajadores, mas são reais. Também é real a angústia e a dúvida dos poetas e dos artistas. De repente, o poeta descobre que o senhor e a senhora Sorriso Falso, conseguem mais visibilidade que os poetas sérios. Uns lapidam a imagem, os outros lapidam suas obras como se fossem joias.


Entre os bons poetas alguns tem a sorte do reconhecimento, outros ficam na escuridão. Não é só dominar determinada arte, é preciso ter sorte... ou amar tanto a literatura que o importante seja só criar e não se incomodar com o sucesso.


No caso de Homero Gomes ele tem talento e poemas excelentes. Esperamos que a Moyra (senhora do destino) lhe seja favorável.


Na continuação um fragmento do poema


Canção do Anjo Exilado

O vinho esquenta na taça abandonada
e os olhos acinzentam a tarde.
O namoro entre o céu
e as ruas,
mas isso foi há muito tempo;
quando ainda cantava,
a voz rouca entre nuvens.


Pedi que fosse embora
mas você singrou meu ventre
com o amor dos homens.
Então plantei violetas em tua cama.


Mas eu ainda quero cantar.


Os sinos chamam meus dedos,
o suspiro sonolento dos mortos
evoca a noite emaranhada nos meus sonhos.

A calma de se abandonar entre o pó
e o cansaço do caminhar. (...)

Homero Gomes


Continue lendo