Falando de Literatura

Estar apaixonado (um conto de Borges)

27 nov 2009 às 08:30

Há muitos anos, em uma palestra, o escritor Jorge Luís Borges (1899-1986) falou da construção de seu conto "El Zahir", e da paixão do personagem "Borges".

Na continuação alguns fragmentos da palestra:


" Imaginei uma situação que ocorre com freqüência: um homem é apaixonado por uma mulher, não pode viver sem ela, mas, ao mesmo tempo, sabe que essa mulher não é especialmente recomendável, digamos, para sua mãe, para suas primas, para a camareira, para a costureira, para as amigas. No entanto, para ele, esse mulher é única."
(...)


"O que é, pois, estar apaixonado? Estar apaixonado é perceber o que há de extraordinário em cada pessoa, singularidade essa que não pode ser comunicada a não ser por meio de hipérboles ou de metáforas. Então, por que não imaginar que essa mulher, um pouco ridícula para todos, pouco ridícula para quem está apaixonado por ela, que essa mulher morra."

"Depois, temos o velório. Escolhi o lugar do velório, escolhi a esquina, pensei na igreja da Conceição, uma igreja não muito famosa nem muito interessante, e no homem que, depois do velório, vai tomar um refresco num botequim. Paga, dão-lhe uma moeda de troco, e ele percebe, em seguida, que há algo nela: foi riscada, o que a diferencia das outras. Ele vê a moeda, está muito emocionado pela morte da mulher, mas, ao ver a moeda, já começa a se esquecer de tudo e a pensar somente na moeda. Eu tinha, assim, o objeto mágico para o conto. Depois é que surgem as tentativas do narrador de livrar-se de sua obsessão. Diversos artifícios são utilizados: um deles é perder a moeda. Leva-a, então, a outro botequim, distante dali. Usa-a para pagar, procura esquecer em que esquina o botequim se encontrava, mas isso não resolve o problema, ele continua pensando na moeda. Chega a extremos um tanto absurdos. Por exemplo, compra uma libra esterlina, com São Jorge e o dragão, examina-a com uma lupa, procura pensar nela e esquecer a moeda de vinte centavos, já perdida para sempre, mas não consegue livrar-se da lembrança. Até o final do conto, o homem vai enlouquecendo, mas pensa que essa mesma obsessão poderá salvá-lo. Isto é, haverá um momento no qual o Universo já terá desaparecido e o próprio Universo será uma moeda de vinte centavos." (...)


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