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Sobre meninos e tijolos

13 jan 2014 às 10:16

Ando pelas ruas da periferia da cidade e percebo que elas já não fazem também o papel de campo de futebol.

Na minha infância, e não faz tanto tempo assim, qualquer rua de periferia que se prezasse tinha as marcações para um jogo de bola. Se não havia as linhas desenhadas toscamente, havia, pelo menos, as marcas no asfalto dos tijolos que serviam de gols.


Eu jogava em três ruas: a da minha casa, Vicente Celestino, naturalmente; a Rua das Mangueiras, onde moram a Vó Maria e o Vô Clemente; e, mais tarde, a Itaperuna, do meu amigo Ricardo.


Tínhamos um bom time de pivetes na Vicente Celestino. Fazíamos clássicos contra o pessoal da Ubirajara, a rua de cima.


Essas pelejas contra o escrete Ubirajaraense não tinham hora para acabar. Em tempos de férias, uma partida que começava numa manhã era interrompida na hora do almoço, quando as mães começavam a gritar nos portões, chamando-nos para comer. À tarde, o jogo continuava, mantendo o placar construído pela manhã.


O mesmo jogo durava dias, respeitando os intervalos arbitrados pelas mães. Até que definíamos que tal período seria o último daquele jogo. Lembro-me de um que terminou 24 a 22 para eles.


Usávamos para as disputas inter-ruas o asfalto da Ubirajara, que era mais liso. As traves se resumiam a dois tijolos. Não havia linha lateral. Valia usar as calçadas. Árvores e postes podiam ser aliados ou inimigos, dependendo de quem conduzia a bola. Uma das minhas especialidades para vencer os adversários era tabelar com o meio-fio.


Não faltavam discussões. Como definir se uma bola alta que passava pelo meio dos tijolos-traves resultava ou não em gol, se não tínhamos travessões? A falta de linhas também gerava bate-bocas. Um time jurava que a bola saíra pela linha de fundo antes do cruzamento que acabou em gol. Já a equipe que anotara o gol jurava que não.


Para resolver, marcamos o clássico definitivo entre Vicente Celestino e Ubirajara na quadra da escola do bairro. Fizemos vaquinha entre todos os pequenos atletas envolvidos para pagar o aluguel. Foi um acontecimento jogar com traves – que além de tudo contavam com redes! – e linhas marcando os limites do campo de jogo. Vencemos. Seis a quatro. Nunca mais esqueci aquela ensolarada manhã de sábado.


Mas a quadra não nos seduziu completamente. Continuamos a jogar na rua até os primeiros fios de barba apontarem. Para desespero de alguns.


Na minha rua tinha a dona Maria Luiza, uma professora aposentada que andava de bicicleta Ceci para todos os cantos. Eu tinha oito ou nove anos anos e achava interessante uma pessoa que eu considerava velha andando de bicicleta. Porém, ela odiava o nosso futebol. Bolas que caíam no quintal da dona Maria Luiza eram, impiedosamente, esfaqueadas.


Quando um neto dela, Bruno, passou a jogar com a gente, a professora aposentada ciclista deixou as nossas bolas – de futebol, antes que alguém faça piadinhas – em paz.


No início dos anos 1990, embalados pelo ouro daquele timaço de 1992 nas Olimpíadas de Barcelona, começamos a jogar também vôlei na rua. Aliás, em várias ruas passou a ser possível encontrar redes esticadas entre duas árvores.


De vez em quando, passava algum automóvel atrapalhando o jogo. Corríamos para erguer a rede, possibilitando que o automóvel seguisse em frente sem levá-la junto. Era o máximo gritar para o motorista, quando ele passava sob a rede, "abaixa a cabeça". Ignorando por um instante a inutilidade do ato, já que estava dentro da cabine do carro, no reflexo, o motorista abaixava mesmo a cabeça. Caíamos na risada.


Tudo isso sem dizer que a rua era nosso playground para brincar também de betes (alguém sabia a grafia correta?), mãe-da-rua-colorida, esconde-esconde.


Depois de 1992, o vôlei do Brasil ficou mais dourado que nunca. Papamos quase tudo. No futebol, vencemos duas copas. A deste ano será aqui, em terras tupiniquins.

Onde estão os meninos e seus tijolos?


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