Mesmo trabalhando em Londrina há 50 anos como sapateiro, Miltom Bomfim garante que continua aprendendo todos os dias.
"Renovadora de Calçados Central". Essa é a inscrição que está na placa de uma das 105 lojas do Centro Comercial de Londrina. O nome do estabelecimento, uma sapataria, não é ideia de nenhum publicitário, mas do próprio dono do lugar, que renova calçados de londrinenses há cinco décadas.
Miltom Bomfim, 78 anos, é um baiano de poucas palavras, sorriso contido. Veste um jaleco azul e, entre outros instrumentos, pilota uma velha máquina Singer, cinquentenária. Seu ambiente de trabalho é um complemento perfeito para o ar nostálgico do próprio Centro Comercial, com seu inconfundível piso de ladrilho hdráulico, cuja construção se concluiu em 1963.
Avesso a entrevistas, Bomfim minimiza o fato de ser, provavelmente, o sapateiro há mais tempo em atividade em Londrina. Mas topa receber o repórter, depois de uma breve insistência, e vai dando respostas sem parar os consertos de saltos, solas e afins.
Corria 1965 quando ele pisou pela primeira vez na terra vermelha, já com 28 anos e a experiência de trabalhar em sapatarias de Vitória da Conquista, a terra natal, onde aprendeu o ofício, além de passar por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Curitiba. Da capital paranaense não gostou por causa do frio.
"Um irmão havia se mudado para cá, vim visitá-lo, gostei, abri uma sapataria e fiquei para sempre", resume. O primeiro local de trabalho foi a Rua Araguaia, na Vila Nova. A mudança para o ponto atual se deu por volta de 1967, ele não se lembra com certeza.
Durante um tempo, fez sociedade com um outro irmão, Ailton, que também veio da Bahia para fincar raízes em Londrina. (leia Box nesta página).
Questionado se ainda hoje tem muito serviço para sapateiro, ele é direto. "Tem. O que falta é gente querendo aprender a ser sapateiro. Para quem sabe trabalhar não falta serviço."
No tempo em que passou por ali o repórter constatou que chega um cliente a cada dez minutos, mais ou menos. Mulheres são a maioria. "Em torno de 70% do que chegam são sapatos femininos. De certa forma, prefiro eles aos masculinos para consertar. É um trabalho mais delicado", comenta o sapateiro.
Sobre o fato de estar completando 50 anos de atuação em Londrina e 66 anos de profissão, ele simplifica. "Como sapateiro, criei dois filhos. Gosto do que faço. E até hoje continuo aprendendo. Todos os dias, saio daqui com uma lição diferente. Nunca devemos parar de aprender. Acho que isso vale para todas as profissões."
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‘A profissão tá morrendo por falta de profissionais’
Quando o repórter pergunta por Ailton Bomfim no balcão da Sapataria Rápida Central, na Rua Sergipe, um senhor simpático se apressa para responder. "Sou eu, seu criado para serviços ultraleves, pois pesados eu já não aguento mais", abrindo um largo sorriso em seguida.
As palavras que faltam para o sapateiro Miltom por causa da timidez sobram para o extrovertido Ailton, 73 anos. Os irmãos são parecidos fisicamente, mas diferentes na hora do papo.
O mais jovem aprendeu o ofício com o mano, no tempo em que eram sócios. Depois, cada um foi cuidar de sua sapataria, sem perder os laços de fraternidade e amizade.
Durante a entrevista, o balcão quase nunca fica sem freguês que vem trazer ou buscar algum calçado. Para ajudá-lo, Ailton conta com quatro funcionários, todos já com alguns anos de casa. "Jovens não querem ser sapateiros. A profissão tá morrendo por falta de profissionais", ele lamenta, a exemplo do irmão.
Entre uma resposta e outra, vai entregando sapatos que já ganharam solas novas, pintura, verniz. "Tem garantia para dois mil quilômetros", comenta na hora da entrega. Um dos rapazes que pega um sapato sai com cara de interrogação, parecendo pensar como vai fazer para calcular os tais quilômetros que vai rodar dali para frente.
Uma das clientes, a vendedora aposentada Neusa Borges, 82, faz questão de provar na hora o sapato do qual foi retirado uma argola que a incomodava. "Ficou ótimo. Era novinho e eu não conseguia usar por causa da argola, que me pinicava os pés. Compensou o conserto."
Dá meio-dia e começa a formar fila no balcão. O pessoal aproveita o horário de almoço para ir à sapataria. Ailton corre para atender todo mundo. "Rapaz, esta sapataria existe desde 1973. Os sapatos melhoraram, ficaram resistentes, surgiram infinitos modelos, as solas já não chegam com a cor vermelha da nossa terra. Só o que não muda é a correria para atender bem a todos", finaliza, sorrindo mais uma vez.
Ailton Bomfim: seu criado para assuntos "ultraleves"