Dia a Dia

Um dedo de prosa

01 jun 2009 às 11:54

O "dedo de prosa" abaixo, de minha autoria, foi publicado na FOLHA RURAL do último sábado. É sobre o meu amigo Tonicão, grande zagueiro varzeano. Caso você não tenha visto nor jornal, perca dois minutos...

Talvez você discorde, caro cumpadre, mas pra mim é de causar muita estranheza o que acontece no mundo do futebol hoje em dia. É tudo na base de muito dinheiro. As chuteiras são feitas na medida certa dos pés dos jogadores. As camisetas não absorvem suor, são de tecido especial... Chega a parecer frescura. E quando um atleta vai de um time para outro? Deus do céu. Dá para comprar uma imensidão de terra com o tanto que vale o tal do Kaká. Até o meu glorioso Londrina Esporte Clube, que não anda bem das pernas, negociou um jogador faz pouco tempo pelo preço de umas três colheitadeiras das boas. É de assustar.

Na roça, a turma tá começando a copiar as modas dos ricos gramados na hora de entrar em campo para disputar uma pelada. Vários já calçam os pés. Mas jogador bom mesmo na minha querência é aquele que joga descalço, e não perde uma dividida. Tonicão é desses. Beque dos mais valentes, daqueles que só chutam de dedão. Cada vez que o vejo desfilando sua habilidosa grosseria nos gramados de nossas várzeas, não sei o por quê, mas me lembro da música composta por Raul Torres e cantada pelo Rolando Boldrin, o ‘Futebol da Bicha-rada’: ‘Lá no arraiá das coruja formaro dois cumbinado / O time do quebra-dedo, e o time do pé-rapado.’ Você tá lembrado dessa moda? Pois bem, o fato é que se formou um folclore tamanho sobre o futebol do Tonicão que não faltam histórias sobre o homem. Dizem que se ele atuasse na zaga do Santos, o Ronaldo não tinha nem chegado perto do gol naquele primeiro jogo da semifinal do Campeonato Paulista. ‘Chegava junto dele e fungava no gangote já na primeira dividida. Queria ver se meter a besta’, diz o nosso beque, no auge de seus 50 anos, todo pomposo quando falam sobre o ‘fenômeno’ lá na venda do Dito. Porém, a lenda mais famosa do nosso ‘Roque Junior caipira’ é de uns 20 anos atrás. Era a final de um campeonato rural do Norte do Paraná: Sítio Salto Grande X Fazenda da Onça. O time do sítio, no qual atuava Tonicão, usava o tradicional uniforme ‘sem camisa’ e era formado, na maioria, por gente que capinava roça de café. O pessoal da fazenda tinha uniforme – remendado, é verdade, mas tinha. Camisetas brancas, calções azuis. E só. Naquele tempo, não existia meião.

  A peleja foi disputada, com o time da fazenda saindo na frente: O primeiro tempo terminou 1 a 0. Porém, no segundo tempo o time do sítio estava atuando bem melhor. O empate era questão de tempo. A bola já havia batido na trave duas vezes. No entanto... Aos 20 minutos da etapa complementar, Tonicão foi rebater, de bico é claro, uma bola que rondava sua área. O problema, é que a unha dele, aparada a cada dois anos, fincou na pelota, furando a danada. Fim de jogo. O time do sítio ficou com o vice-campeonato. E o Tonicão aguenta a gozação até hoje.


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