Dia a Dia

Para relaxar um cadinho

31 dez 1969 às 21:33

Um pouquinho de Luis Fernando Verissimo para espantar o estresse. O texto foi retirado do http://literal.terra.com.br/verissimo/


Outra do Analista de Bagé

Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como "freudiano barbaridade". E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço. Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, "só se bate pra descarregá energia". Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego. - Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço. - Ai - diz o paciente. - Toma um mate? - Na-não... - geme o paciente. - Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa. O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta: - Agora, qual é o causo? - É depressão, doutor. O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro. - Tô te ouvindo - diz. - É uma coisa existencial, entende? - Continua, no más. - Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico... - Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil. - E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia. - Pois vamos dar um jeito nisso agorita - diz o analista de Bagé, com uma baforada. - O senhor vai curar a minha angústia? - Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca. - Mudar o mundo? - Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana. - Mas... Isso é impossível! - Ainda bem que tu reconhece, animal! - Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável. - Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda. - Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta... - Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem? - Me alimento. - Tem casa com galpão? - Bem... Apartamento. - Não é veado? - Não. - Tá com os carnê em dia? - Estou. - Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito. - O Freud não me diria isso. - O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão? - Não. - Então te fecha. E olha os pés no meu pelego. - Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo. Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:

- É pior que joelhaço?


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