Dar um passeio, sem pressa, pelo calçadão de Londrina é coisa boa. Têm os excrementos das pombas, um monte de gente indo e vindo, os aposentados proseando nos bancos, os buracos nas valetas de escoamento de água, o tiozinho que se equilibra na corda.
Ontem à tarde passei por lá, muito mais devagar do que de costume por conta de estar em férias. Andando na velocidade do meu bisavô que está no auge de seus 92 anos, observava o movimento. Chamou a minha atenção uma moça loira, cabelos frequentadores de uma chapinha, salto alto e fino, calça colada e uma blusinha que, pelo jeito, é cara. Batom discreto nos lábios, maquiagem nos olhos. Apresentável. De cara, saquei que a conhecia de algum lugar. Vi que ela também havia me reconhecido, mas não fazia ideia de quem poderia ser. Veio o temor. Só faltava ela vir me cumprimentar e fazer a temida pergunta: oi, lembra de mim? - Oi, Wilhan, lembra de mim? Caramba, ela veio, e ainda me chamou pelo nome! E agora? - Oi, é claro que lembro. E aí, tudo bem? Droga, eu disse que lembro! - Ah! estou bem, e você? Agora ficou fácil. Digo que estou com pressa, que foi bom encontrá-la, e me mando... - Tudo jóia, o problema é a correria. A gente tá sempre correndo, né? Agora mesmo estou indo... - Nossa! Você casou? Tá de aliança e tudo! Ela é faladeira, nem deixou eu completar a frase... - Pois é, encontrei uma doida... - Você sempre um sarrista! Sabe quem encontrei semana passada? A professora Cleuza. Professora Cleuza. Pronto. A ficha caiu. A moça é a Carla! Estudamos juntos no colegial. Como é bom, de repente, reconhecer alguém que eu não estava reconhecendo. Agora não preciso mais disfarçar. - Pôxa, que legal. Eu nunca mais encontrei nenhum dos nossos professores, Carla. - Mas o que você faz da vida? - Sou repórter. Trabalho na Folha de Londrina! - E você? - Trabalho em uma boate aí... - Uma boate... - Isso mesmo uma boate. Nesta profissão mesmo que você está imaginando... - Eu não estou imaginando nada... - Você ficou vermelho e olhou para o chão. Larga de ser bobo, Wilhan. Eu não tenho nada a esconder. Faço programas, ué. Qual o problema? - Olha, eu não estou perguntando nada e nem te julgando, Carla. - Eu sei, bobo. Conheço você, por isso estou te contando. - Pois é, mas você devia saber que é um perigo contar as coisas para jornalistas. Nós somos curiosos! - Pode perguntar o que quiser. Não colocando meu nome e meu rosto no jornal, não há problema. Wilhan, já sofri muito por causa desta minha escolha. Agora, desencanei. Do contrário não vivo e nem desfruto da grana que ganho. Só fico sofrendo. - É, viver com fantasmas rondando a cabeça ninguém merece. Você ganha muito? - Em torno de R$ 50 a cada programa. - Faz quantos por dia? - Quatro ou cinco. - No fim do mês dá um salário mais ou menos. - É. Faz dois anos que estou nessa. Ano que vem, finalmente, vou começar a minha faculdade. - Qual curso? - Eu queria mesmo Medicina, mas passar na UEL é impossível. Até penso em pagar uma particular, mas aí tenho que sair de Londrina, fazer clientela em outro lugar, fica difícil. Acho que vou ficar por aqui e fazer o curso de estética. - Olha, já disse que não te julgo pelo trabalho que você faz atualmente. Mas é bom mesmo que você faça uma faculdade, Carla, afinal, ser garota de programa não deve ser nada mole. (Na hora nem percebi que essa última frase poderia soar como um trocadilho infame. Mas ela também não percebeu). - No meu caso nem tanto, pois não trabalho na rua e só atendo gente que tem algum dinheiro. Aliás, gosto de sexo. Não vou dizer que não gosto, que faço só pelo dinheiro. Às vezes até chego lá! Mas sei que não dá para viver disso a vida toda. Nisso, o telefone dela toca. É um cliente. São 15h23 e o cara quer ser atendido às 15h45. Em plena terça-feira. Ela retoma a conversa depois de atender o cidadão. - Como você percebeu, tenho que ir. Nem vou te dar meu telefone, pois sei que você não me procuraria. - Para fins profissionais, não. De jeito nenhum. Minha mulher me mataria. E eu ainda estou novo para morrer. - Você não muda mesmo. Tchau!
- Tchau!