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Jornalismo: uma paixão

31 dez 1969 às 21:33

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O Jornalismo, como qualquer outra profissão, é, acima de tudo, uma vocação. Para fazer Jornalismo bem feito, é preciso ser apaixonado por ele; ou viciado nele, como se fosse algo de que se prova e sempre se quer mais. O pessoal da antiga costumava chamar a profissão de cachaça e quase todos se declaravam viciados nela.

Fico feliz quando, hoje, encontro colegas apaixonados. Na FOLHA, há vários. Nos outros veículos de comunicação da cidade também. Mas fico aborrecido quando vejo alguns fazendo da profissão uma burocracia triste e melancólica. Também não gosto muito da onda jornalismo fast-food. Sim, informar de forma rápida e precisa é necessário. Afinal, Jornalismo não é literatura, é informação, notícia. Porém, há também a missão do jornalista de levar aos seus leitores, ouvintes ou telespectadores a amplitude cultural de um país e de seu povo.

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Por isso, defendo que as matérias um pouquinho maiores devem continuar merecendo espaço, principalmente aquelas que descobrem ilustres brasileiros desconhecidos que dão lições de vida. Vibro com esse tipo de texto, que chamamos de perfil.

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Descanse em paz, João.


Encontrei um, muito bom, na revista GLOBO RURAL de fevereiro. O texto, longo e bom demais, é de Suely Gonçalves. Uma aula de como escrever. As fotos, que estão em baixa resolução no site da revista, são do excelente Ernesto Souza.

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Coloquei a matéria abaixo, para que você também possa desfrutar de uma leitura para lá de agradável. Tá, antes que você me chame de asno, sei que ninguém entra em blog para perder 10 minutos lendo. Sei que você vai parar por aqui, pois anda sem tempo. A desculpa de todo mundo, inclusive minha. Mas volte depois, com tempo, e curta um bom Jornalismo.



Na mosca, Maiakóvski

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Texto Suely Gonçalves
Fotos Ernesto De Souza



Com o título de "História de Uma Vida Verdadeira", o diário de Guerzoni Sebastião Lopes começa assim: "Eu, Guerzoni, e meu irmão Juarez fazia muita arte. Nóis pegava ovo escondido da nossa mãe, amassava barro e fazia um fogãozinho de lenha pra fritar os ovos".

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Antes de seguir com essa prosa, é necessário esclarecer que ele recebeu esse nome tão, digamos assim, diferente porque o pai, Zequinha, topou um dia na venda de Cachoeira de Minas, MG, com um italiano que lhe estendeu a mão e com toda fineza cumprimentou: "Buona tardi! Guerzoni, ao seu dispor".


Zequinha achou o nome do homem bonito demais e resolveu batizar com ele o primeiro filho. Hoje, aos 60 anos, Guerzoni registra em um caderno de folhas manchadas pelo tempo essas e outras lembranças. Ali estão as traquinagens de um menino curioso, cuja mãe, Maria José, desistiu de corrigir a poder de vara de marmelo no dia em que ele, certo de que dessa vez não escapava de levar umas lambadas, subiu no telhado do paiol de milho, tirou o inseparável canivetinho enferrujado do bolso e ameaçou, dramático: "Afasta, senão eu corto a garganta". Pois é. Aos 8 anos, Guerzoni já mostrava a que veio a esse mundo.

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A prudência levou Zequinha a colocar a educação do menino nas mãos de Dona Irene, professora da escolinha do Bairro do Grotão, onde a família morava. Vã esperança. Guerzoni atravessou o primeiro ano sem aprender patavina. Ele explica assim seu péssimo desempenho escolar: "Minha cabeça ia longe. Eu só tinha ouvido pras coisas que acontecia lá fora". "Menino esquisito esse", resmungava Dona Irene. Quem sabe Dona Geralda, professora com fama de rigorosa, não dava jeito no moleque? Que nada. Das varadas que a mãe lhe poupou, Dona Geralda não lhe negou nenhuma, sem conseguir com isso o menor resultado. Vencida pela rebeldia do aluno, achou melhor que ele ficasse fora da sala de aula cuidando do jardinzinho da escola. Mas quando conversava com Zequinha, Dona Geralda costumava ser justa: "Sem educação ele não é, não, e também é bom na enxada".


Conformado, o pai tirou o filho da escola. Guerzoni, aos 10 anos, trocou o lápis pela foice, sabendo escrever apenas o suficiente para não deixar suas memórias perecerem sem registro. Ninguém notou que o menino que escrevia mal-e-mal era bom nas contas que só vendo. Até os 13 anos, ajudou o pai na roça. Daí para a frente, tirava tarefa de homem feito, roçando pasto para Quim Dionízio, que, no começo, não acreditou na força do braço daquele rapazinho franzino. "No primeiro dia de serviço meti o muque e às duas da tarde já tinha roçado quinze braças", relembra orgulhoso. Entretanto, a fama de trabalhador, que o acompanha até hoje, naqueles tempos não lhe valeu de nada. Do dinheiro, Guerzoni não via nem a cor.

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Entregava o pouco que ganhava ao pai, reconhecendo, sem queixa, que ele carecia de ajuda. Quando a mãe repartia com o filho uns tostões de suas choradas economias, o rapazinho, já dono de uma sombra de bigode, arriava o cavalo no maior capricho e ia exibir seus cabelos louros e seus olhos azuis para as meninas que volteavam em torno da pracinha de Cachoeira. No caminho margeado por um córrego, cismava: "Eu pegava assim comigo que, se um dia tivesse a felicidade de casar, minha casa ia ter luz com uma usina que eu mesmo ia construir". No dia em que fez a besteira de revelar sua ideia aos amigos, ouviu deles: "Tá louco, siô?" É. Rapaz bem esquisito aquele.


Mas no dia que Maria Preta morreu, lá mesmo no Bairro do Grotão, o destino de Guerzoni começou a mudar. No cemitério, nada do coveiro tocar para frente o sepultamento. "O safado queria dinheiro", entrega Guerzoni, que pegou no enxadão e num minuto terminou o serviço. "Rapaz resorvido", a voz da moça se destacou no meio da choradeira da família. Uma rápida troca de olhares e Maria das Dores entrou para sempre na vida de Guerzoni. Apaixonado, conquistou a amada oferecendo flores, como convém a um sujeito romântico como ele. Mas o amor, sendo "dor que desatina sem doer", a troco de que pouparia o coração desse rapaz? "Por causa de uma briguinha à toa eu sofria que só o diabo", registrou ele em seu diário.

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A cada separação desleixava de si, a barba por fazer, o cabelo tocando os ombros. Desse jeito, era tão mal visto pela família da moça que um dos irmãos dela chegou a ameaçar: "Um dia corto o cabelo desse cabra na faca". Mas de nada adiantou cara feia nem ameaça. Em 24 de abril de 1975, Maria e Guerzoni se casaram. O padrinho, Geraldo Baganha, presenteou o casal com meia dúzia de pratos e três panelas. E foi carregando esses trens que eles chegaram à casinha de pau-a-pique que Guerzoni ergueu com as próprias mãos. Nessa noite, o frio intenso do Grotão foi amenizado por duas cobertas cedidas pela mãe (sempre ela) do noivo, pelo café quente coado por Maria e pelo amor que incendiava o coração de Guerzoni. "Um dia não vamos mais precisar acender lamparina", prometeu à amada, cheio de mistério. Marido esquisito esse que Maria tinha arranjado.


Foi num passeio de charrete que ela começou a decifrar o que se passava na cabeça do companheiro. Guerzoni achou uma roda de Fusca abandonada e levou para casa. Daquele dia em diante, foi um tal de descascar, lixar, limar a rodinha, num trabalho que parecia não ter fim. Com uma tora de jacarandá fez um eixo. Ajeitou nas pontas dois rolimãs e passou a cavoucar o córrego para assentar uma bica de embaúva e a tal rodinha. Ressabiada, Maria assistia ao vai-e-vem do marido. Um dia (ô, dia inesquecível!) Guerzoni volta da cidade trazendo um geradorzinho de farol de bicicleta. E aí fez-se o milagre. Maria viu o marido apagar para sempre as lamparinas e iluminar a escuridão da noite do Grotão com três lâmpadas. Ele entregou, enfim, o presente de casamento que havia prometido a ela. Os vizinhos olhavam com admiração e espanto a casinha iluminada. Maria era só orgulho.


Com a luz chegou também Zé Antonio, o primeiro filho, e mais tarde Tadeu e Isaura. Por ser mãe prestimosa e mulher sacudida, tanto no serviço da casa quanto no cabo da enxada, Maria mereceu de Guerzoni mais um mimo. Como sempre, ele fez segredo. Na cidade, procurou seu Alziro, homem estudado, rádioamador que falava com o mundo inteiro. Guerzoni foi saber dele se a força da usininha era capaz de fazer um rádio tocar as modas de viola que Maria tanto apreciava. Resultado: o primeiro rádio que se ouviu no Grotão alegra os dias de Maria há quase 30 anos.


Animado com o sucesso de suas engenhocas, Guerzoni foi em frente. Construiu sozinho outra usina, maior e mais potente, carregando pedra nas costas - o que lhe valeu um problema de coluna que o atormenta até hoje. Instalou ali dez polias que tocam um tanquinho, um liquidificador, uma picadeira, um debulhador de milho que ele mesmo inventou, assim como um amassador de mandioca. Na acanhada salinha da casa brilha a luz azul de um aparelho de televisão. Todas as noites, a família se reúne para ver a vida colorida aparecer na telinha. Guerzoni não. Ele repassa as notícias e basta. Prefere ocupar o tempo com seus pensamentos. Agora que pôde até recusar a luz que chegou para todos, anda querendo voar mais alto. Acha que é bem capaz de construir um avião usando um motor de motosserra. Por conta disso dorme pouco. As ideias fervilhando na cabeça. Levanta com o sol e, enquanto não risca no papel o que sempre lhe aparentou uma espécie de sonho, passa o dia agoniado. De reconhecida inteligência, nunca quis sair do Grotão. "Tenho tudo o que preciso aqui", diz com tanta convicção que ninguém ousa duvidar. Mas e se por um acaso pudesse um dia mudar de vida? "Ia escolher essa mesmo, gosto de ser o que sou", arremata, pondo fim à discussão.

Lá longe, nas estepes geladas da velha Rússia, o poeta Wladimir Maiakóvski disse um dia: "Em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz". O russo acertou em cheio.


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