Por um momento pensei em escrever "ex-depressivo" no título desta coluna, mas não seria justo: com os que ainda sofrem ou irão sofrer a mesma doença; com as cicatrizes que a depressão deixa nas almas por onde passou; e comigo mesmo, que venci, mas ainda tenho a depressão nítida na memória. Sou como aquele alcoólatra que não bebe há mais de vinte anos, mas mantém uma garrafa de vodca na geladeira, só para provar que é mais forte que a bebida. O "ex" não faz sentido.
Se vocês querem uma definição, aqui vai uma. Já devem ter notado o carinho e a saudade com que sempre me refiro ao meu pai nestas linhas. Pois uma crise de depressão é equivalente a receber a notícia da morte meu pai por telefone, várias vezes seguidas, esquecendo-me do terrível fato entre um telefonema e outro. Leitor de muitas narrativas sobre campos de concentração, tanto os nazistas quanto os comunistas, arrisco mais uma definição da doença: estar depressivo é como ter a mente transformada em Auschwitz por algumas horas ou alguns dias. A depressão é um prenúncio do Inferno; não tenho dúvida de Dante conheceu esse mal. Escrevo estas memórias, e pretendo continuá-las em outras colunas, porque a depressão é um problema de saúde que afeta a sociedade inteira (difícil encontrar alguém que não tenha ao menos um caso na família ou entre os amigos íntimos), mas também para exorcizar meus fantasmas. De vez em quando, em momentos de tristeza ou desânimo, que são perfeitamente naturais e não devem ser confundidos com a doença, contemplo uma nesga da face do velho monstro, a sombra de uma sombra, e sou colocado diante da remota, porém efetiva possibilidade de que ele volte. Falar, escrever sobre a depressão é evitar esse risco. Tchau, querida. Por falar em campos de concentração, o psicólogo e escritor Viktor Frankl, ex-prisioneiro de Auschwitz, desenvolveu a tese de que a chance de sobreviver ao campo era diretamente proporcional à existência de um sentido na vida: a família, o trabalho, a religião, uma tarefa a ser realizada. A depressão, ao contrário, fornece um sentido, mas um sentido falso, vazio, traiçoeiro. Muitos acabam por se afeiçoar a ela; eu mesmo vivi essa paixão que desagrega a alma. Muitos anos depois, já livre da doença, li as palavras de François Mauriac que descreviam minha vida na época passada: "Eu não amava a felicidade, não amava a paz. ( ) Nada esperem de mim sobre esse assunto da angústia que não pertença à minha própria experiência: eu gostava da angústia e a preferia a Deus".
O escritor Stephen King, um sobrevivente, confessou não lembrar como escreveu o romance "O Iluminado", mergulhado que estava na amnésia do vício. Da minha época de depressão, ao contrário, eu me lembro muito bem, especialmente das coisas que deixei de fazer e amar e escrever. A melancolia será sempre a sombra de uma sombra na minha vida, e escrevo agora para você que passou ou passa por essa escuridão, com a única finalidade de dizer: Há saída.