Com um plano arrojado de concessões, o Ministério da Infraestrutura pretende transformar, em poucos anos, a malha rodoviária do Paraná para deixá-la parecida com a do estado de São Paulo.
As concessões atuais vencem em novembro, quando se encerra o prazo dos contratos assinados há 24 anos.
De lá para cá, os 2.505 km do chamado de "anel de integração" transferidos à iniciativa privada não acompanharam todas as transformações exigidas. As principais rodovias paranaenses ainda têm longos trechos em pista simples, como mais de 200 km da BR-277, que liga a região oeste do estado, produtora de grãos, ao porto de Paranaguá.
Leia mais:
Motocicletas se multiplicam sob o olhar mais atento da política
Acidentes com motos sobrecarregam o SUS e levam a perda de mobilidade, amputação e dor crônica
Saiba como funcionam os pedágios free flow no Brasil após regulamentação
Waze passa a receber alertas por voz via IA do Google
O novo projeto de concessões, que prevê R$ 42 bilhões em investimentos, é o maior do país. No entanto, ainda enfrenta resistência de setores econômicos e políticos do estado. Há oposição, principalmente, em relação ao modelo proposto.
A desconfiança parte de um "trauma" paranaense. O estado foi um dos primeiros do Brasil a conceder rodovias à iniciativa privada. A falta de experiência levou a um modelo de tarifa calculado a partir de valores prefixados pelo governo estadual, e não de menor preço do pedágio.
Isso, somado a diversas alterações e aditivos contratuais, alta carga tributária estadual e casos de corrupção, levou os paranaenses a pagar um preço alto. Hoje, seis das dez tarifas de pedágio mais caras do Brasil estão no estado –a mais alta, em Jataizinho, no norte do estado (400 km de Curitiba), custa R$ 26,40 para carros.
Além disso, muitas das intervenções previstas, como duplicações, não saíram do papel, mesmo após 24 anos de contratos.
Levantamento da Agepar (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná) apontou que, ao todo, as
concessionárias receberam quase R$ 10 bilhões (em valores atualizados) por obras não realizadas entre 1998 e 2020.
As operações Integração e Integração 2, desdobramentos da Lava Jato, apuram diversas irregularidades nas concessões, entre outros crimes. De acordo com as investigações, as concessionárias pagavam propina a políticos e servidores para elaborar aditivos aos contratos.
Segundo o Ministério Público Federal, ao mesmo tempo que autorizaram o aumento de tarifas, os aditivos retiraram das empresas a obrigação de duplicar trechos e construir contornos que estavam previstos nos contratos originais, o que tornou os pedágios até 50% mais caros no estado.
Em março de 2019, a Justiça Federal chegou a bloquear R$ 2 bilhões das concessionárias. Algumas empresas fecharam acordos de leniência com o MPF e devolveram valores, por meio de pagamento de multas, abatimento de tarifas e execução de obras. Outros casos ainda tramitam na Justiça.
Na proposta do governo federal, os pedágios devem diminuir de 35% a 71%. Também estão previstos descontos progressivos para usuários frequentes e um abatimento para quem optar pela automatização do serviço. Porém, o número de praças de cobrança vai subir de 27 para 42, acompanhando o crescimento de 35% nos trechos concedidos, para 3.383 km.
A promessa é também de mais obras em menos tempo. Hoje, apenas 36% da malha rodoviária concessionada tem vias duplas. A intenção é de, em nove anos –dos 30 anos previstos para os contratos–, chegar a 90% de duplicação, abrangendo principalmente as BRs-277, 376 e 369.
A BR-376 liga a capital, Curitiba, ao norte, onde estão duas das maiores cidades do estado, Londrina e Maringá. Já a BR-369 liga essa região ao oeste paranaense, onde ficam outras duas grandes cidades, Cascavel e Foz do Iguaçu –esta, na fronteira com Paraguai e Argentina.
"É um projeto que vem para reduzir o custo logístico do Paraná, com diminuição significativa de tarifas e, com todas as obras, das operações. Isso vai gerar competitividade para atrair empresas", disse o diretor de rodovias do Ministério da Infraestrutura, Guilherme Luiz Bianco.
O modelo híbrido de contratação é o maior entrave do plano federal.
A proposta gira em torno de um menor preço de tarifa, mas com um percentual de redução máxima por praça (de 17,4%, em média) e, em caso de lances iguais, um maior "valor de desempate" consagra o ganhador. Esse dinheiro seria separado e só utilizado após a execução das obras principais, seja para diminuir o valor dos pedágios, seja fazer novas intervenções, de acordo com a vontade do usuário.
Nas audiências públicas realizadas pela ANTT, houve protestos em torno dessa proposta. Inspirados na vizinha Santa Catarina, com pedágio de R$ 3,90 na BR-101, por exemplo, grande parte dos participantes pediu por contratos baseados no menor preço de tarifa e garantia de execução de obras.
Das reuniões saíram mais de 5.000 sugestões que agora estão sendo analisadas por técnicos do ministério. Eles não têm prazo definido para finalizar o trabalho, apesar de os atuais contratos vencerem em novembro.
"Há uma reação grande porque sabemos que, na prática, as chances de que haja um conluio entre os concorrentes é muito grande. Isso já aconteceu no Paraná. Todas as inovações colocadas no [plano de concessões] são mecanismos para tentar manter a tarifa mais alta. Já estamos acostumados com 'supertarifas' e empresas que não realizam obras", disse o deputado estadual Luiz Claudio Romanelli (PSB), integrante da Frente Parlamentar do Pedágio.
O grupo calcula que o pedágio pode ficar até 40% mais barato se o modelo de concessão for o de menor preço, diferentemente do atualmente proposto.
Nem mesmo o governador Ratinho Jr. (PSD), aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), está satisfeito. Em evento no final de abril, ele afirmou que as tratativas com o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) têm evoluído, mas que o estado não vai mais permitir cobranças altas de pedágio.
"O Paraná foi, desculpa a expressão, estuprado durante 24 anos com esse modelo de pedágio. Não vou mais admitir isso, nem a população admite. A exigência que fiz para o ministro foi: tarifa mais baixa, tem que ter muita obra e [o leilão de concessão] tem que ser na Bolsa de Valores para empresa picareta não participar dos novos leilões", disse.
Duas semanas depois, em reunião com a Frente Parlamentar da Agropecuária, Tarcísio citou o leilão da BR-153, entre Goiás e o Tocantins, reforçando que o governo federal não deve desistir de implantar o modelo híbrido no Paraná.
"Alguém está achando que vai ter R$ 40 bilhões de investimentos e pagar R$ 3, R$ 4 de tarifa? Não vai, lamento. Isso não existe. Se a gente quiser garantia [de investimentos e de operação], tenho que ter a tarifa justa, que é o nosso objetivo", disse o ministro na ocasião.
O governo federal também acusa parlamentares do estado de confundir a população durante as audiências públicas e até de impedir as discussões.
"Percebemos que a discussão ficou muito contaminada, com muito problema de comunicação. As pessoas não estão entendendo o modelo como de fato ele é", afirmou Tarcísio em uma das reuniões realizadas em Curitiba no início de abril.
Bianco, do Ministério da Infraestrutura, citou que, antes do leilão das rodovias paranaenses, outros estados do Brasil já estão firmando contratos parecidos e que até Santa Catarina tem pedido pelo modelo híbrido, que, segundo ele, garante maior equilíbrio e obras.
"O paranaense se reflete nos contratos que conheceu, de 24 anos de fracasso, de corrupção. Ele não consegue distinguir as diferenças, só sabe que não quer o que foi feito antes, e o nosso projeto é exatamente para resolver esses problemas", disse.
"O Paraná está ficando para trás na discussão porque está olhando para o passado e esquecendo de ver o futuro."
João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), se contrapõe à posição do diretor. Para ele, há outras soluções possíveis para garantir a execução das obras sem que isso represente um peso a mais no bolso dos motoristas.
"Se a empresa for eficiente e tiver condições, por que não oferecer um desconto maior [de tarifa]? Para não atrair aventureiros, queremos uma garantia por caução. O dinheiro vai ficar numa conta a que a empresa só terá acesso quando entregar a obra", explicou.
Ele citou como exemplo o eventual interesse de concessionárias que sejam também donas de construtoras e que, por isso, conseguiriam executar as obras por valores menores do que os previstos pelo governo federal no projeto inicial.
"Se a empresa reduzir em 30% o custo da obra, por que não repassar para a tarifa? Queremos que a gordura nos cálculos do governo possa ser transferida para o pedágio", acrescentou.
A queda de braço levou a Frente Parlamentar do Pedágio ao TCU (Tribunal de Contas da União). No final de abril, o órgão rejeitou o pedido de suspensão do processo de concessão, mas recomendou mudanças nos contratos.
O principal argumento dos deputados é que o leilão só pode incluir rodovias estaduais se houver delegação oficial do estado e aprovação da Assembleia. Dos quase 3.400 quilômetros de estradas que constam no plano, 1.160 quilômetros, pouco mais de um terço, são de rodovias estaduais.
Romanelli aponta que, se não houver recuo, dificilmente o Legislativo vai autorizar a inclusão das rodovias estaduais no pacote, o que pode inviabilizar o projeto.
"Vamos melhorar tudo que é possível, o projeto já melhorou muito depois que ouvimos a sociedade. [O projeto] não é fechado, mas esse discurso é o mesmo de um mês atrás. Infelizmente, politizou-se o discurso e pouco se entende o que é o projeto de verdade", contrapôs Bianco sobre o impasse.
Apesar das críticas ao modelo, o volume de obras, o grau de transparência e controle e as inovações tecnológicas esperadas nas rodovias com o novo plano são alvos de elogios.
"O nível de transparência é infinitamente maior do que há 24 anos. Lá, os contratos foram feitos de forma fechada, até porque ninguém conhecia o tema. O pedágio da época foi feito com muitos favorecimentos às concessionárias, e agora há um equilíbrio maior", apontou Mohr.
Procuradas, três empresas que atualmente regem as rodovias do Paraná –Ecovias, Ecocataratas e CCR Rodonorte– afirmaram que estão cumprindo integralmente os acordos firmados com o governo e que atualmente estão estudando o novo plano de concessões.
Econorte, Viapar e Caminhos do Paraná não responderam aos questionamentos da reportagem.
Sobre as negociações com o Ministério Público Federal, a CCR Rodonorte fechou acordo de R$ 750 milhões, com parte da verba utilizada para baixar as tarifas em 30%. A empresa Purunã, que admitiu ter gerado caixa para que a Rodonorte realizasse pagamentos ilícitos, também fechou acordo de R$ 20,5 milhões, sendo que R$ 20 milhões são destinados a obras.
Já o acordo fechado com a Ecorodovias, controladora da Ecovia e da Ecocataratas, envolve R$ 400 milhões a serem restituídos aos cofres públicos.
Sem acordos, Viapar, Econorte e Caminhos do Paraná continuam respondendo às ações judiciais.