A paralisação das montadoras de automóveis e de suas fornecedoras para conter a propagação do novo coronavírus deverá derrubar a produção de veículos leves em todo o mundo neste ano, segundo dados da empresa de pesquisa LMC Automotive.
Após a produção de carros leves ter fechado em 88,8 milhões de unidades em 2019, o total previsto pela LMC para 2020 é de 76,9 milhões, uma queda de 13,4% -ou retração de 11,9 milhões de veículos neste ano.
O número estipulado pela empresa antes da pandemia, no entanto, não era este. No início de março, quando a maioria dos países ainda não havia adotado restrições de circulação e quarentenas, a expectativa era que a produção chegasse a 90,1 milhões em 2020.
A nova previsão é reflexo de uma das maiores instabilidades enfrentadas pelo setor, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
"É a pior crise desde a Segunda Guerra Mundial. É muito ruim, porque há uma paralisação global", disse o pesquisador do setor automotivo Ferdinand Dudenhöffer, da Universidade St. Gallen, na Suíça.
"É uma situação sem precedentes. Os fabricantes pararam amplamente a produção, as concessionárias estão fechadas, os fornecedores não podem trabalhar. Será difícil iniciar novamente essas redes de valor agregado de maneira coordenada", disse Hubertus Bardt, diretor de pesquisa do IW (Institut der Deutschen Wirtschaft ou Instituto da Economia Alemã).
Na revisão dos dados feita pela LMC para a produção de 2020, houve um corte de 2,5 milhões de unidades na Europa, 2,5 milhões na América do Norte, 2,2 milhões na China, 900 mil na América do Sul e 4,3 milhões nos países restantes.
A empresa de pesquisa também alterou seu prognóstico para as vendas. Em comparação às 90,5 milhões de comercializações fechadas em 2019 em todo o mundo, neste ano o número deve recuar 15,3% e fechar em 76,6 milhões.
Para o Brasil, a perspectiva é que 2,03 milhões de veículos leves sejam vendidos no ano -uma redução de 23%, se o número for comparado com os dados da Fenabrave de 2019, quando o total de emplacamentos de automóveis e comerciais leves fechou em 2,65 milhões.
Entre os especialistas não há mais dúvidas sobre a redução das atividades do setor neste ano. A discussão agora é o tamanho do descompasso criado pela paralisação desencadeada pela pandemia.
Para Joachim Deinlein, especialista do setor automotivo da consultoria Oliver Wyman, a China pode contornar bem a situação por ter contido a propagação da doença em tempo hábil, enquanto a situação dos Estados Unidos ainda se mostra incerta.
"É provável que a China seja menos afetada, já que a fase de aceleração foi gerenciada com mais eficiência. Os EUA normalmente mostram uma recuperação mais rápida após uma queda na economia, basta lembrar da crise financeira. Mas atualmente ainda estão no meio da curva exponencial [de infectados]", afirmou.
Para Deinlein, na Europa o efeito deve ocorrer de formas distintas. Na sua avaliação, os países ao sul do continente estão em uma situação mais complicada pois têm menos recursos para estimular a compra de carros.
Dudenhöffer, da Universidade de St. Gallen, projeta que, com o impacto do novo coronavírus, o setor automotivo europeu deva demorar até dez anos para superar os números de vendas de 2019.
A paralisação na Europa já afeta ao menos 1,1 milhão de trabalhadores diretos do setor automotivo e já resultou numa perda de produção de 1,2 milhão de automóveis leves, caminhões e ônibus, de acordo com dados da Acea (associação das montadoras na região). Desses números, o maior impacto vem da Alemanha, onde estão 51% dos trabalhadores afetados e 29% da produção perdida.
Em um cenário otimista, o número de carros produzidos pela indústria alemã neste ano deve recuar para 3,81 milhões, o menor desde 1993, segundo os dados projetados pelo pesquisador Dudenhöffer. Em uma situação pessimista, o recuo chegaria a 3,40 milhões, a menor produção desde 1975.
"Na Europa, a indústria automobilística alemã é líder e, por isso, será mais afetada. O setor depende de fornecedores internacionais que não podem ser facilmente substituídos. Isso se aplica particularmente a fabricantes premium como das [empresas] alemãs", afirmou Bardt, do IW.
Ainda segundo a avaliação do pesquisador do IW, a parada global ocorre em um momento muito infeliz, em que a indústria em todo o mundo passa por grandes transformações e adaptações.
"O setor está enfrentando os principais desafios de migrar para motores ecológicos, como os elétricos, e também para a direção autônoma. Isso requer investimentos substanciais e gastos com P&D. A crise atual ameaça a base financeira dessa transformação."
No que tange às subsidiárias, Dudenhöffer afirmou que as retrações nas produções e nas vendas, aliadas a dificuldades econômicas dos países latino-americanos, podem colocá-los em segundo plano na agenda das matrizes.
"Como a demanda na América do Sul está em declínio e o processo de recuperação vai demorar mais, os investimentos deverão ser interrompidos ou reduzidos."