Tarefas de rotina, como se deslocar até o local de trabalho, ir ao supermercado, levar os filhos na escola ou os pais ao médico, que são corriqueiras para a maioria das pessoas, podem ser um ato frustrante e tirar o sono de muitas outras. Isso tem nome. É a amaxofobia, mais conhecida como medo de dirigir.
Esta fobia está presente na vida de 6% da população com CNH, segundo um levantamento da Associação Brasileira de Medicina de Trânsito (Abramet). Significa falar de cerca de 2 milhões de brasileiros, de um total de 74,3 milhões de motoristas habilitados, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A maioria dos casos é de mulheres (92%), somente porque a fobia acomete mais a elas, em geral.
As causas da amaxofobia podem ser multifatoriais e ter origem cultural, ambiental ou genética. A condição pode estar relacionada ao medo de sofrer acidentes, de ferir a si e a terceiros no trânsito, de errar, de não controlar o carro ou, ainda, de sofrer com os efeitos do julgamento pela forma como dirige ou de atrapalhar o trânsito.
Era exatamente o que acontecia com a dona de casa Jessica Marinho, de 31 anos, habilitada desde 2015. Desde que tirou a CNH, dirigiu muito pouco. “Ficava apavorada no trânsito, minhas mãos suavam, as pernas tremiam, achava que ia atrapalhar ou fazer alguma coisa errada dirigindo, somado ao medo do julgamento alheio", descreve.
Quando a filha nasceu, no entanto, Jessica se viu em uma encruzilhada: ou voltava a dirigir ou a vida estagnava. "Parei de trabalhar fora para me dedicar de forma exclusiva à minha família e sentia uma necessidade maior de voltar a dirigir, principalmente para atender às necessidades do dia a dia e rotina com minha filha, mas estava havia muito tempo parada e o medo me impedia ainda mais", relata a dona de casa.
Importância do tratamento especializado
Embora muitas pessoas não tenham conhecimento, a boa notícia é que a amaxofobia pode ser tratada, para uma remissão dos sintomas, que podem impactar diretamente em diversas áreas da vida da pessoa.
Com sessões de psicoterapia e de exposição no trânsito, acompanhado por um psicólogo especializado em tratar o medo de dirigir, o paciente pode diminuir os sintomas e começar ou voltar a dirigir, melhorando consideravelmente a qualidade de vida, como esclarece a psicóloga especialista em trânsito e em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) Salete Coelho Martins, fundadora da clínica Psicotran, em Curitiba. Com uma metodologia própria, é a única do Sul do país especializada em psicologia do trânsito para medo de dirigir.
"Na avaliação, podemos entender se é apenas medo de dirigir ou se existe algum outro transtorno psicológico acompanhando o histórico do paciente, como ansiedade, por exemplo, e assim propor um plano terapêutico mais assertivo. Muitos deles chegam com a queixa de medo de dirigir, mas descobrimos que o receio é de se expor, conhecido como ansiedade social, e que tem também como consequência incapacitar a pessoa de dirigir", explica a especialista.
Normalmente, os pacientes apresentam sintomas cognitivos, tais quais pensamentos catastróficos, como “e se eu bater?”, sentimentos de incapacidade, tristeza, inferioridade, ansiedade e muito medo. Também apresentam comportamentos de evitação, choro, desistência com facilidade, procrastinação e desculpas para não dirigir, revela a psicóloga Salete. “Um dos diferenciais deste tratamento, que já ajudou mais de 3 mil pessoas desde 2006, é que o psicólogo vai dentro do carro com o paciente tratar o medo dele, para fazer com que ele se sinta mais seguro e que enfrente as dificuldades. Trabalhamos com técnicas que fazem com que o paciente se sinta mais confortável frente ao objeto fóbico", diz.
E foi o que a Jessica fez, para deixar de depender do esposo e dos pais para realizar as atividades rotineiras de forma independente. "Me sentia culpada, porque achava que estava sobrecarregando a família."
Ela conheceu o método psicoterapêutico por meio das redes sociais, agendou uma avaliação, fez a psicoterapia e hoje se vê livre do medo de dirigir e muito mais feliz. "Fui acolhida e incentivada em todo o processo, que também me fez evoluir em outras áreas da minha vida. Me sinto confiante e tenho a liberdade e a independência de ir para onde precisar. O tratamento foi transformador. Sigo dirigindo sem medo e hoje parece que aquele medo nunca existiu", comemora.
A assistente administrativa Heloise Helena Furiski da Silva, 28, é habilitada desde 2018 e, apesar de ter CNH, sempre teve medo de dirigir. Depois de uma violência no trânsito, tudo se intensificou e ela se viu incapaz de realizar a tarefa, passando a depender do marido para ir e vir. Mas Heloise não aceitou se entregar e a busca por autonomia foi a motivação para buscar a ajuda de uma psicóloga especialista em trânsito.
"Eu tinha medo até de viajar, queria poder me teletransportar, para não precisar pegar a estrada", conta ela. O processo de psicoterapia foi como o de "sair de um casulo", classifica. "Aprendi sobre meus pensamentos, a pensar racionalmente e a ver a real situação. Vi que sou capaz, que não é o carro que me domina, sou eu quem domina o carro, e que sou sim capaz de dirigir. Agora, o céu é o limite", celebra Heloise.
Família como rede de apoio
Estas são conquistas pessoais, mas que muitas vezes dependem do apoio de quem está ao redor. A psicóloga da Psicotran explica que o acolhimento dos parentes das pessoas que têm essa fobia é fundamental para evitar danos, inclusive, de autoimagem. "As pessoas com medo de dirigir se sentem inferiorizadas, pois acreditam ser incapazes, e não têm o entendimento de que é uma fobia e que requer tratamento", afirma Salete.
O principal passo para a mudança é a aceitação do paciente, na avaliação da psicóloga. "Geralmente, os familiares e pessoas próximas dizem que é apenas falta de prática e essas pessoas vivem sob pressão para dirigir ou são alvos de chacota por não conseguirem. Elas passam a ter vergonha da exposição e de falar do seu medo, e acabam criando desculpas, para não enfrentarem a situação", aponta a profissional.
Com o entendimento de todos de que é uma fobia e que ela pode ser tratada, facilita para que o paciente procure por ajuda especializada e receba o tratamento adequado. "A abordagem da Terapia Cognitivo Comportamental, escolhida pela psicóloga, ajuda o paciente a mudar sua forma de pensar em relação à fobia, permite uma reconstrução cognitiva, para que possa enfrentar as situações sem distorcer a realidade e, assim, contribui para a melhora da autoestima, da autonomia e da qualidade de vida".