A proposta do governo Jair Bolsonaro (PL) para o corte temporário de tributos sobre combustíveis e energia elétrica, sem necessidade de medidas de compensação, também deve alcançar impostos estaduais.
Interlocutores no governo informaram à reportagem que o texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) em elaboração deve liberar todos os entes da federação para reduzir carga tributária sobre combustíveis –o que inclui o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
A inclusão desse dispositivo é uma forma de pressionar os governadores, com quem Bolsonaro tem travado uma intensa batalha em torno de uma suposta culpa pelo aumento no preço da gasolina, do diesel e do etanol.
O chefe do Executivo argumenta que os governadores não aceitam abrir mão da arrecadação do ICMS sobre combustíveis e que isso é um fator determinante para que o preço nas bombas continue alto.
Patrocinador da PEC, Bolsonaro pretende zerar os tributos federais sobre combustíveis e energia elétrica, no momento em que a inflação incomoda o bolso dos consumidores, o que atrapalha a pretensão do presidente de buscar um segundo mandato.
"Temos uma proposta de emenda à Constituição que está sendo negociada para que nós possamos ter a possibilidade de zerarmos os impostos dos combustíveis, o PIS/Cofins. É uma possibilidade de se conseguir isso aí para dar um alívio", disse Bolsonaro na quinta-feira (20), em sua live semanal.
Auxiliares do mandatário expressaram preocupação de que uma PEC do Executivo nesse sentido infrinja a legislação eleitoral, que veda a concessão de determinados benefícios em ano de disputa. Por isso, uma alternativa atualmente em debate é que o texto seja apresentado ao Congresso por um parlamentar aliado, possivelmente no Senado.
Só a zeragem das alíquotas de PIS/Cofins sobre combustíveis deve drenar R$ 50 bilhões da arrecadação federal.
Sob as regras atuais da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), o governo precisaria providenciar aumentos de outros tributos para compensar o prejuízo. A PEC, porém, permitiria passar por cima dessa exigência.
Os governadores também ficariam livres da obrigação de compensar a perda de receitas. Com a permissão ampla para que os estados sigam pelo mesmo caminho, a avaliação nos bastidores é que os governadores que fazem oposição ao governo federal ficarão em uma encruzilhada.
Eles precisarão decidir entre seguir a política do presidente da República, se alinhando ao governo federal nesse tema e ainda abrindo mão de receitas; ou manter o patamar atual de impostos, assumindo o desgaste político perante a população.
No ano passado, os estados receberam transferências polpudas do governo federal para auxiliar no enfrentamento à Covid-19. Com isso e também com a retomada da arrecadação, na esteira da reabertura da economia, os estados acumulam um superávit de R$ 87,3 bilhões no ano até novembro –o que, na avaliação da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), dá a eles condições de aderir à redução de tributos.
Durante as negociações sobre esse ponto da PEC, integrantes do governo levantaram questionamentos sobre o risco de a medida beneficiar governadores que fazem oposição a Bolsonaro. A estratégia de pressão, porém, acabou prevalecendo.
Bolsonaro transformou o valor do ICMS em motivo de embate com os governadores, que sempre contestaram a tese bolsonarista de que o tributo estadual era o grande vilão do impulso nos valores dos combustíveis.
Os estados então decidiram congelar o valor do ICMS entre novembro de 2021 e o final deste mês, por meio da manutenção do chamado PMPF (Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final) nos níveis vigentes em 1º de novembro de 2021.
No entanto, isso não impediu novos aumentos de preço, pois a política de reajustes da Petrobras segue as cotações do barril de petróleo no mercado internacional, além do dólar.
Na semana passada, os governadores passaram a discutir o fim do congelamento. Segundo o presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados), Rafael Fonteles, ficou comprovado que a volatilidade de preços não depende do ICMS.
"Os estados deram a sua contribuição para a redução da volatilidade dos preços dos combustíveis, o que não foi feito pela Petrobras ou pelo governo federal. E ficou comprovado que essa volatilidade não depende do valor do PMPF ou da alíquota de ICMS, que não tem alteração há vários anos", disse ele, que é secretário do Piauí, governado por Wellington Dias (PT).
A sinalização despertou críticas do presidente. "Lamentavelmente, ainda em pandemia, os governadores anunciam o descongelando [descongelamento] do ICMS dos combustíveis. Para quanto irá o litro da gasolina? R$ 8,00?", questionou Bolsonaro no Twitter na segunda-feira (17).
A discussão sobre o ICMS também deflagrou reação na cúpula do Congresso Nacional. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cobrou do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a votação de um projeto de lei que estabelece um valor fixo para a cobrança do imposto estadual.
"A Câmara tratou do projeto de lei que mitigava os efeitos dos aumentos dos combustíveis. Enviado para o Senado, virou patinho feio e Geni da turma do mercado", escreveu Lira. O presidente da Câmara tem participado das negociações da PEC para redução de tributos.
No cenário atual, caso os estados decidam de fato descongelar a cobrança do tributo sobre combustíveis, a tendência é que os preços na bomba aumentem, uma vez que o ICMS será calculado sobre uma base maior. Cada estado estabelece suas alíquotas.
As alíquotas de ICMS sobre gasolina ficam hoje entre 25% e 34%. Já no caso do etanol, entre 16% e 32%. A cobrança sobre o diesel é de 12% a 25%.
Outro fator que pode pressionar nos próximos meses é o preço do barril do petróleo, que está próximo de US$ 90 e pode chegar a US$ 100, segundo previsões do mercado.
No governo federal, a avaliação é que não é possível "cruzar os braços" diante de um aumento tão vertiginoso de preços. A questão tem sido tratada como um tema não só setorial, mas também econômico e social.
Além das repercussões do aumento do preço dos combustíveis sobre o bolso dos brasileiros, interlocutores de Guedes manifestam preocupação com a inflação, que fechou 2021 em alta de 10,06% –o maior resultado desde 2015, durante o governo Dilma Rousseff (PT).
Interlocutores de Guedes afirmam que o ministro não se opõe ao corte de tributos, uma vez que a arrecadação federal também melhorou. No ano até novembro, as receitas do governo federal subiram 18,13% acima da inflação.
A renúncia de receitas com o corte nos tributos deverá caber dentro da meta fiscal para 2022, que permite um rombo de até R$ 170,5 bilhões. O Orçamento aprovado pelo Congresso prevê um déficit de R$ 79,4 bilhões, o que indica haver espaço para acomodar a perda de arrecadação. Um rombo maior, porém, significa aumento do endividamento público.