Estudo elaborado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) mostra que o Brasil ampliou o valor de incentivos e subsídios a combustíveis fósseis em 2020, atingindo uma renúncia total de R$ 123,9 bilhões no ano.
O aumento vai na contramão da pressão global pela redução das emissões de gases do efeito estufa após novos alertas sobre consequências caóticas do aumento da temperatura do planeta, como secas, inundações, aumento do nível do mar e o surgimento de milhões de refugiados climáticos.
Segundo o Inesc, o valor da renúncia brasileira em 2020 é 25% superior ao verificado em 2019, alta puxada principalmente por benefício fiscal dado à produção de petróleo e gás natural pelo regime especial Repetro, que venceria em 2022 mas foi prorrogado até 2040.
A renúncia fiscal em programas de incentivo à produção de petróleo foi de R$ 58 bilhões, segundo os cálculos do Inesc. Além do Repetro, a conta inclui benefício dado pela Lei 13.586/2017, que ampliou o escopo do regime e permitiu redução de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido para o setor.
"Do ponto de vista ambiental e climático, tais subsídios vão na contramão do princípio do poluidor-pagador, consolidado internacionalmente como chave no equacionamento do problema das emissões de gases de efeito estufa e perda de biodiversidade no planeta", diz o Inesc.
O instituto defende que, embora a Receita Federal afirme que não há renúncia, o Repetro é considerado pela Ocde (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) como um subsídio a combustíveis fósseis.
Em relatório divulgado em julho, diz o Inesc, a OCDE recomenda que o Brasil "desenvolva uma estratégia de longo prazo para identificar, reduzir e, eventualmente, eliminar os subsídios públicos à produção de combustíveis fósseis."
Criado em 1999 em meio ao processo de abertura do setor de petróleo a empresas estrangeiras após o fim do monopólio estatal, o Repetro é defendido pelo setor como necessário para viabilizar a produção em um país com elevada carga tributária.
"É inevitável que o tema assuma relevância internacional", diz o Inesc, lembrando que o Brasil alcançou status de grande produtor e exportador de petróleo nos últimos anos. Entre o fim de 2000 e o fim de 2021, a produção nacional saltou 113%, para 3,52 milhões de barris por dia.
A maior fatia dos subsídios a combustíveis fósseis no país, porém, é destinada ao consumo, segundo avaliação do instituto. São R$ 63,3 bilhões em renúncia de arrecadação de impostos sobre combustíveis automotivos e em subsídios a térmicas a carvão e óleo diesel.
O setor de transportes é reponsável por 13% das emissões de CO2 no Brasil, de acordo com dados divulgados pela Anfavea (associação das montadoras).
No caso dos combustíveis, o cálculo considera a perda de arrecadação em relação às alíquotas máximas previstas em lei para PIS/Cofins e Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico). Em 2020, essa perda alcançou R$ 52,5 bilhões.
"O preço dos combustíveis fósseis é, obviamente, tema de alta sensibilidade", admite o Inesc, defendendo que pressões de caminhoneiros e os impactos da alta de preços na sociedade demandam um debate sobre a política de preços atrelada às cotações internacionais.
"O que os governos têm feito respondendo à demanda do transporte de cargas é tentar segurar preços alterando alíquotas da Cide, do PIS e do Cofins. Contudo, esse processo, além de gerar perda de arrecadação no presente, torna ainda mais difícil a necessária revisão dos subsídios aos fósseis."
Em 2021, diante da escalada das cotações internacionais, o governo federal isentou temporariamente o diesel de PIS/Cofins e zerou definitivamente a alíquota para o gás de cozinha. No mês passado, os Estados congelaram o Icms por 90 dias.
O instituto alega que há pouca transparência na concessão e cálculo desses benefícios e recomenda que o Congresso aprove projeto de lei que prevê divulgação de empresas beneficiadas e respectivos valores, além de pressionar o TCU (Tribunal de Contas da União) a avaliar o Repetro.
Pede ainda que a Receita Federal dê mais transparência a informações sobre o Repetro e que esses dados passem a ser avaliados pelo Comitê de Monitoramento e Avaliação de Subsídios da União.
Para os subsídios ao consumo, a recomendação é que a reforma tributária converta a Cide sobre os combustíveis em uma Cide-Carbono, com aplicação e incidência mais amplas.
E alerta para decisões recentes do Congresso com potencial de ampliar ainda mais os subsídios, como a contratação obrigatória de térmicas a gás natural prevista pela MP de privatização da Eletrobras ou o lobby para a ampliação de subsídios para térmicas a carvão.
Para a assessora do Inesc responsável pelo estudo, Alessandra Cardoso, o tema "deve ganhar especial atenção no atual contexto de intensa crise econômica, além de pautar o debate sobre a poluição causada pela emissão de combustíveis fósseis na atmosfera na conferência mundial COP-26″.
"Os incentivos e subsídios concedidos aos combustíveis fósseis estão intrinsecamente ligados às resistências globais dos países, da indústria e dos investidores em restringirem o crescimento da produção e das emissões, o que atrasa a inadiável transição energética", conclui.
A Receita Federal diz entender que "não é possível, dado o desenho do nosso sistema tributário de referência, considerar o Repetro (e outros regimes aduaneiro especiais) como um gasto tributário", pois tem uma visão de efeito de longo prazo.
Em nota enviada à reportagem, a Receita defende que, apesar de ser possível estimar qual seria a renúncia pela aplicação de alíquotas, o cálculo "superestima sobremaneira a renúncia", pois não considera que, em situações normais, o pagamento dos impostos gera créditos ao contribuinte.
"Apesar de, olhando pelo lado da importação, conseguirmos chegar a números similares aos do relatório da OCDE, o que faltou no relatório foi mostrar como seria o recolhimento dos tributos por uma empresa não beneficiária do Repetro, levando em conta o lado do creditamento e seu efeito de longo prazo."