Em 2014, alguns grupos de teatro celebraram os 450 anos do nascimento de William Shakespeare. E, certamente, 2016 terá espaço para os que desejam marcar os 400 anos da morte do bardo inglês. No ínterim, o dramaturgo é lembrado em Caesar, peça em que Roberto Alvim dirige os atores Thiago Lacerda (que atuou em Hamlet, em 2012, sob direção de Ron Daniels) e Vladimir Brichta, com estreia prevista para junho.
A decisão de encenar Shakespeare, no entanto, não tem relação com efemérides. "Tem a ver com a conjuntura política brasileira", diz Alvim, afirmando que Júlio César é a obra-prima do dramaturgo no que diz respeito à política. O texto aborda a conspiração contra o personagem-título, ditador romano, que culmina em seu assassinato. Alvim destaca as viradas da história, em que o homem político que tinha um apoio popular passa a despertar suspeitas de que dará um golpe. "São especulações. É como essa história de golpe comunista no Brasil, essa coisa bolivariana da qual se fala", diz. Para ele, não há princípios ideológicos na política. "É uma loucura ingênua cobrar coerência dentro do jogo político. Os discursos são mutáveis de acordo com as circunstâncias que aparecem."
Essa característica mutável acabou por definir o elenco enxuto. Apenas dois atores fazem a peça, justamente para explorar a capacidade de, na política, uma pessoa poder expressar pensamentos opostos com facilidade. "Alguns momentos da peça me lembram profundamente os debates (das eleições), como quando Brutus faz um monólogo e, ao final, o povo grita que ele é o novo imperador. Na sequência, Marco Antonio faz um discurso e, depois disso, é ele quem se torna imperador e Brutus vira um traidor ignóbil."
Enquanto a peça original tem mais de dez personagens, Caesar é reduzida apenas a quatro personagens principais e alguns periféricos. O fato de Lacerda e Brichta interpretarem diversas figuras criadas por Shakespeare faz lembrar Rei Lear, peça que estreou em julho, em São Paulo, em que Juca de Oliveira estava sozinho no palco, interpretando seis personagens, sob direção de Elias Andreato. Alvim, que não chegou a ver a montagem, diz não ter tido influência do espetáculo. "Não sei o conceito utilizado na peça do Juca, mas, no caso de Caesar, pensei em dois atores sobretudo por causa da polarização do segundo turno das eleições", explica, sempre voltando às questões políticas. "O Brichta ter dois discursos diferentes, por exemplo, resume o jogo político tratado na peça. Não é um tour de force de um grande ator que faz vários personagens."
Segundo semestre. Se a sexualidade permeia parte das estreias de 2015, Alvim não foge à tendência. Além de Shakespeare, ele encena Henrik Ibsen, com uma nova tradução e adaptação de Fantasmas (no Brasil, mais conhecida como Espectros). "É a peça mais polêmica de Ibsen. Foi proibida logo após a estreia porque tem questões que, até hoje, são muito controversas", diz o diretor, citando casos de incesto entre mãe, filho e irmãos.
Outra questão tratada no espetáculo é a eutanásia. No enredo, um dos personagens desenvolve uma demência e pede para que sua própria mãe o mate. "Isso é posto pelo Ibsen em 1881", destaca Alvim. Com estreia prevista para a segunda metade do ano, Fantasmas vai ter um elenco com grandes nomes: Luís Melo, Juliana Galdino, Alexandre Borges, Caco Ciocler, Luisa Micheletti e Renato Forner.